Guerra do tráfico no Rio tem invasão, tiroteios, sequestro e vítimas; mãe morre baleada ao proteger o filho

Uma “guerra” entre traficantes pelo controle do Complexo de favelas do São Carlos, na Região Central do Rio, já dura mais de 24 horas. Criminosos de facções rivais estão em confronto desde quarta-feira (26) e novas ações dos traficantes seguiram durante a tarde desta quinta-feira (27).

Movimentos de criminosos indo para o conjunto de favelas começaram na tarde de quarta. À noite, um forte tiroteio pôde ser ouvido de várias partes do Rio Comprido e de bairros vizinhos. No início da tarde desta quinta, mais disparos voltaram a ocorrer, como mostraram a TV Globo e a GloboNews ao vivo.

Pelo menos quatro episódios estão, segundo a PM, ligados à invasão:

  1. o confronto a tiros na Lagoa, Zona Sul, com dezenas de disparos e granadas;
  2. a morte de Ana Cristina, atingida por tiros de fuzil, quando protegia o filho de um tiroteio;
  3. o sequestro de uma família em um condomínio por um bandido que fugia da polícia;
  4. um segundo sequestro de moradores numa vila da região.
Guerra entre facções rivais leva madrugada de terror ao Rio de Janeiro

Não se sabia ainda, até a última atualização desta reportagem, se os morros que integram o complexo de favelas – Querosene, São Carlos, Mineira e Zinco – foram de fato tomados pelos traficantes.

A disputa pelo controle do complexo se dá entre criminosos do Comando Vermelho e do Terceiro Comando Puro.

Guerra do tráfico no Rio  — Foto: Aparecido Gonçalves/Editoria de Arte G1

Guerra do tráfico no Rio — Foto: Aparecido Gonçalves/Editoria de Arte G1

Até a última atualização desta reportagem:

  • duas pessoas morreram — um suspeito, antes do 1º sequestro, e Ana Cristina;
  • cinco pessoas foram feridas — o porteiro do condomínio feito refém, o 1º sequestrador e dois comparsas, além de um PM;
  • cinco homens foram presos — dois no confronto da Lagoa (quarta-feira à tarde), dois antes do 1º sequestro e o sequestrador desse primeiro caso.

Abaixo, o G1 resume as mais de 24 horas de violência no Rio:

13h30 de quarta: confronto na Lagoa

Bandidos trocam tiros com policiais na Lagoa

Criminosos usando roupas camufladas e coletes à prova de bala seguiam de carro da Rocinha, em São Conrado, para a Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, quando o veículo quebrou na Avenida Borges de Medeiros, em frente à Rua J.J. Seabra, na Lagoa.

Eles saíram armados na via e foram surpreendidos por policiais militares do Programa Lagoa Presente. Houve tiroteio e um policial civil que passava em um carro descaracterizado viu a cena e também entrou no confronto.

Tiro acerta parabrisa de carro durante ação de criminosos na Lagoa, Zona Sul do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Tiro acerta parabrisa de carro durante ação de criminosos na Lagoa, Zona Sul do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/G1

O bando conseguiu fugir em direção ao Túnel Rebouças e roubou o carro de um casal na fuga. A perseguição continuou com intensa troca de tiros.

Ao menos duas pessoas ficaram feridas — um policial e um bandido. Dois homens foram presos. Um deles estava escondido numa parte de manguezal que margeia a Lagoa.

Uma perícia feita pela polícia no local encontrou mais de 40 cápsulas espalhadas pela rua e pela calçada. No carro, foram apreendidos um fuzil (com munição e carregadores), 14 granadas, uma pistola e dois radiocomunicadores.

Porta-voz da PM, o coronel Mauro Fliess afirmou nesta quinta (27) que o objetivo dos bandidos era invadir o São Carlos.

Perícia da Polícia Civil confirmou ao menos 39 tiros realizados na ação — Foto: G1

18h de quarta: intenso tiroteio

Traficantes disputam controle de morro no Catumbi

Traficantes disputam controle de morro no Catumbi

Desde o início da noite de quarta, moradores relatavam um intenso tiroteio no Complexo do São Carlos, com rajadas e explosão de granadas.

O comando do 5° BPM (Praça da Harmonia) enviou equipes ao local, e policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) também foram à região para tentar conter o confronto.

19h de quarta: mãe morre baleada

Tiroteio no Complexo do São Carlos deixa moradora morta

Tiroteio no Complexo do São Carlos deixa moradora morta

Ana Cristina da Silva, de 25 anos, estava indo com o filho para o bar onde trabalhava quando ficou no meio do tiroteio, na Rua Azevedo Lima — um dos acessos ao São Carlos.

No momento dos disparos, ela se curvou sobre o filho de 3 anos para protegê-lo e acabou atingida por dois tiros de fuzil, um na cabeça e outro na barriga.

O forte tiroteio impediu que a Ana Cristina fosse socorrida pelo Corpo de Bombeiros, segundo informado pela assessoria da corporação.

Parentes a levaram para o Hospital Souza Aguiar, no Centro, mas Ana Cristina já chegou morta à unidade de saúde.

Ana Cristina da Silva, de 25 anos, morreu baleada ao proteger o filho de tiroteio no Rio Comprido — Foto: Reprodução/TV Globo

Ana Cristina da Silva, de 25 anos, morreu baleada ao proteger o filho de tiroteio no Rio Comprido — Foto: Reprodução/TV Globo

2h de quinta: novo confronto e sequestro

Família é feita refém por bandidos no Rio

Família é feita refém por bandidos no Rio

Oito bandidos fugiam em um carro branco quando foram surpreendidos pela PM na Rua Aristides Lobo, no Rio Comprido.

Na troca de tiros, Renan Fortunato do Couto, que estava no carro, fugiu para um condomínio, atirando no porteiro do prédio.

Com o porteiro como refém, Renan subiu até o 17º andar e conseguiu entrar em um apartamento onde fez três reféns — uma mulher, a filha pequena e a mãe, idosa.

Imagens mostram que Renan abriu o portão do condomínio a tiros e, depois de atirar no porteiro, o arrastou pelo elevador.

Imagens de câmeras de segurança mostram criminoso em prédio invadido no Rio Comprido

Imagens de câmeras de segurança mostram criminoso em prédio invadido no Rio Comprido

Segundo Fliess, uma das reféns conseguiu enviar uma mensagem por celular à patroa relatando o ocorrido. A polícia, então, foi acionada e rapidamente cercou o prédio.

Esse primeiro sequestro durou quase cinco horas e foi encerrado pelo Bope por volta das 7h.

Dos oito ocupantes do carro branco, um morreu e dois foram baleados e levados sob custódia para o hospital. Os outros quatro fugiram. O sequestrador foi preso.

Carro onde o sequestrador estava antes de entrar em condomínio no Rio Comprido — Foto: Lívia Torres/TV Globo

Carro onde o sequestrador estava antes de entrar em condomínio no Rio Comprido — Foto: Lívia Torres/TV Globo

Corpo de suspeito morto após confronto qna Rua Aristides Lobo — Foto: Lívia Torres/TV Globo

12h10 de quinta: mais tiros

A Rua Aristides Lobo tinha sido liberada ao tráfego quando começou um novo confronto, e a via foi novamente interditada. Muitos tiros foram ouvidos.

Um carro do Batalhão de Choque apontou armas para dentro de um prédio. Segundo a PM, bandidos tentavam sair do Morro do São Carlos.

O Batalhão de Operações Especiais (Bope) vasculhou o local à procura de criminosos. O comércio se preparava para abrir, mas lojistas decidiram manter as portas fechadas.

Intenso tiroteio assusta moradores do Catumbi

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14h50 desta quinta: outro sequestro

O sequestro de outra família ocorreu no início da tarde desta quinta. Por volta das 16h, os criminosos se renderam após negociação conduzida pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope).

O local é próximo ao complexo de favelas do São Carlos, onde desde quarta há uma “guerra” entre traficantes rivais. Com a chegada de policiais, os criminosos fugiram e invadiram a casa dessa família.

Mãe em pânico durante a invasão

Uma mãe flagrou o momento em que homens armados subiam a comunidade. No vídeo, é possível ver as silhuetas de homens com fuzis passando por trás da porta.

Enquanto a mulher filmava, uma criança balbuciava e cantava, brincando.

Com medo, a mãe repetia para o filho: “Cala a boca!”

Em meio à violência no Rio Comprido, a inocência de uma criança

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Em nota, a Secretaria de Estado de Vitimados (Sevit) afirmou que ofereceu atendimento psicológico e social para a família de Ana Cristina da Silva.

A equipe psicossocial também esteve no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, conversando com parentes do porteiro que foi mantido refém com outros moradores de um prédio no mesmo bairro.

Polícia Civil avisou PM de possível invasão

Em nota divulgada também nesta quinta, a Polícia Civil afirmou ter alertado a PM – há duas semanas – para uma possível tentativa de invasão do Complexo do São Carlos.

Os dados, segundo a Civil, foram repassados para o setor Inteligência da Secretaria de Polícia Militar. O comunicado da Polícia Civil, no entanto, não especificava dia ou horário do ataque.

Após contato, a Polícia Militar, ainda de acordo com a mesma nota, não teria confirmado informações de que essa invasão ocorreria na quarta-feira.

O que diz a Polícia Civil

Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Civil informou “que há cerca de duas semanas o setor de inteligência da 6ª DP (Cidade Nova) detectou uma movimentação de traficantes de uma facção criminosa que pretendiam tomar o território de comunidades que fazem parte do Complexo do São Carlos e têm influência de outra facção”, mas “não havia informação de data e horário definidos”.

“Os dados foram difundidos para a Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil, que repassou as informações para a Inteligência da Polícia Militar. Apesar da continuidade do monitoramento, não foram captadas mais informações de que o fato seria nesta quarta-feira.

Cabe ressaltar que todas as vezes em que há notícias desse tipo de movimentação, mesmo sem uma definição se o fato ocorrerá efetivamente, as Polícias Civil e Militar planejam ações de ocupação e de capturas de criminosos. O planejamento visa enfraquecer a eventual articulação e movimentação de traficantes nesse sentido.

A Sepol esclarece que respeita e vem cumprindo todas as decisões judiciais. Com a decisão do STF, que determina a realização de operações em hipóteses “absolutamente excepcionais”, sem elencar quais seriam essas hipóteses, gerando enorme insegurança jurídica no planejamento, atuação e rotina das polícias, ações preventivas para conter eventuais disputas territoriais ficam fora desse conceito de excepcionalidade por não terem data prevista. Dessa forma a decisão obriga que as polícias hajam apenas de forma reativa, pois se enquadra na hipótese de “casos extraordinários” mencionados na decisão do STF.”

COM G1