Em um segundo evento no norte de Mato Grosso nesta sexta-feira (18), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) parabenizou os produtores agrícolas que não ficaram em casa durante a pandemia de Covid-19 e “não entraram na conversinha mole de ficar em casa”.
“Vocês não pararam durante a pandemia. Vocês não entraram na conversinha mole de ‘fica em casa’. Isso é para os fracos”, disse a uma plateia de produtores rurais e apoiadores em Sorriso, no norte do estado.
Aos gritos de “mito!”, Bolsonaro participou da entrega simbólica de títulos de propriedades rurais a agricultores familiares da região, no aeroporto Adolino Bedin, em Sorriso.
Antes, o presidente fez parada em uma inauguração simbólica de uma fábrica de etanol de milho, que funciona há mais de um ano no município de Sinop. Lotado de apoiadores envoltos em bandeiras do Brasil, o evento foi considerado uma homenagem do setor ruralista ao presidente.
Desde o início da crise mundial do coronavírus, Bolsonaro tem dado declarações nas quais busca minimizar os impactos da pandemia e, ao mesmo tempo, tratar como exageradas medidas tomadas no exterior e por governadores brasileiros.
Ele também provocou aglomerações, muitas vezes sem uso de máscara recomendada para evitar o contágio da Covid-19.
Infectado pelo novo coronavírus em julho, o presidente divulgou que se tratou com a hidroxicloroquina, medicamento sem efeito comprovado para a doença e com efeitos colaterais associados a seu uso.
Dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, já saíram do cargo após discordâncias com Bolsonaro, que também entrou em conflito com governadores e prefeitos.
Em abril, quando o Brasil ultrapassou a China no número de mortos, Bolsonaro foi questionado sobre isso e respondeu:
“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.
Assim que o Brasil chegou a 100 mil mortos, Bolsonaro disse que lamenta “cada morte, seja qual for a sua causa, como a dos três bravos policiais militares executados em São Paulo” -citando policiais mortos após uma falsa abordagem.
Antes de pousar em solo mato-grossense nesta sexta, o avião do presidente arremeteu devido à fumaça que toma conta da região, embora não haja foco de incêndio específico nos dois municípios em que visitou neste momento.
Bolsonaro recebeu agricultores para entregar os títulos no palco. Em tom eleitoreiro à base ruralista, ele adaptou seu slogan de campanha para:
“Deus acima de tudo, Mato Grosso acima de todos”.
Boa parte dos agricultores que subiram ao palco para receber os títulos de terra não usavam máscara. Bolsonaro, também sem a proteção, saiu dando mãos e tirando fotos com o público. Os ministros que o acompanhavam também não usavam máscara.
“Vocês estão de parabéns, vocês são nosso orgulho”, disse Bolsonaro, emendando que a viagem ao estado lhe serviu para “entender da influência estrangeira nessa região”, sem dar detalhes.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, reiterou que o governo vai destravar os nós logísticos da região, dando ênfase à BR-163, uma das principais rotas de escoamento de grãos do Centro-Oeste, que liga a região a portos.
“A nossa responsabilidade é dar a logística. Em novembro, vamos assinar o contrato da ferrovia [de Integração] Centro-Oeste. Estamos trabalhando para resolver as questões da BR-163”, afirmou.
A organização não tinha dados sobre o número de presentes em Sorriso. No evento anterior, a 85 quilômetros dali, a estimativa era de cerca de 2.000 pessoas, dentre apoiadores, políticos e agropecuaristas. A região produz soja, milho, gado, feijão e algodão.
Agropecuaristas presentes destacaram o empenho do ministro Tarcísio para destravar a logística local e exaltaram alguns símbolos de campanha de Bolsonaro, como a defesa da família, do direito à arma e da segurança jurídica no campo em relação a eventuais ocupações de sem-terra.
“O governo só não está melhor porque a esquerda e o STF não deixam. No fogo do ano passado, ONGs causaram um caos sobre as motivações [dos incêndios]”, diz o agropecuarista Nivaldo Weis, 64, criador de gado e produtor de soja, milho e arroz.
A situação está muito preocupante neste ano, segundo ele, mas em parte porque foi proibido fazer a chamada queima fria (que acontece no fim do período chuvoso, quando a mata nativa está úmida).
“Agora o fogo entrou, pegou toda matéria orgânica acumulada e está impossível de controlar.”
“Não somos necessariamente bolsonaristas, mas gostamos do princípio que ele adota. A célula da sociedade é a família. Não somos os principais, somos do conjunto”, diz Olvide Galina, 61, presidente da Acrinorte (Associação dos Criadores do Norte de Mato Grosso).
Em nenhuma das duas ocasiões o presidente mencionou ações de combate aos focos de incêndio que atingem o Pantanal e outros biomas brasileiros. Apenas afirmou que isso acontece há vários anos.
Sinop e Sorriso ficam na Amazônia Legal, onde paira uma névoa de fumaça mesmo sem a presença de fogo nas fazendas próximas. É possível sentir cheiro de queimado mesmo no interior dos estabelecimentos.
Já no Pantanal, setembro de 2020 será o mês com maior número de queimadas já registrado na história, de acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Com explosão dos focos de calor em agosto e setembro, o Inpe registra mais de 15,8 mil focos no Pantanal desde o início deste ano, o maior número no período desde 1999, quando iniciou o monitoramento.
O primeiro semestre foi o de maior número de queimadas para o bioma, com 2.534 focos de incêndio, aumento de 158% em relação ao mesmo período de 2019.
Agravada por um período de seca na temporada de chuvas, a situação está descontrolada mesmo diante da atuação de brigadistas. Além de chuva abaixo da média para o período, as temperaturas aumentaram na região do bioma, com ventos que já vieram de regiões secas e quentes.
A Dema (Delegacia de Meio Ambiente) do estado investiga se a ação humana contribuiu para o crescimento no número de ocorrências.