Uma ação da Advocacia-Geral da União provocou protestos. A AGU questionou a decisão do Supremo de criminalizar a homofobia.
Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a homofobia e a transfobia podem ser enquadradas no crime de racismo, com pena de até três anos e multa. A medida vale até que o Congresso aprove uma lei específica para o caso. Na decisão, os ministros apontaram que é crime incitar ou disseminar o preconceito, ou seja, fazer discurso de ódio. Mas entenderam que não é crime ser contra relações de pessoas do mesmo sexo e dizer em templo religioso, como crença.
Um ano e quatro meses depois, a Advocacia-Geral da União entrou com recurso alegando que o Supremo precisa deixar claro quais atos religiosos não podem ser considerados crimes de homofobia. Na ação, o advogado-geral da União, José Levy, quer saber se a medida atinge a liberdade religiosa, a divulgação sobre os modos de exercício da sexualidade, o acesso a lugares públicos, como banheiros, vestiários e transporte, e a convicção filosófica ou política.
E argumenta que “a proteção dos cidadãos identificados com o grupo LGBTI+ não pode criminalizar a divulgação, seja em meios acadêmicos, midiáticos ou profissionais, de toda e qualquer ponderação acerca dos modos de exercício da sexualidade, sem receio de que tais manifestações sejam entendidas como incitação à discriminação”.
E que “é importante que se esclareça, que não só a liberdade religiosa, mas a própria liberdade de expressão, respalda a possibilidade de manifestação não aviltante a propósito da moralidade sexual”.
Outro ponto questionado pela AGU é que a decisão interfira no controle do acesso a lugares públicos. A AGU diz que quer resguardar a intimidade de frequentadores considerados vulneráveis que, segundo o órgão, são “vulneráveis todas e quaisquer pessoas que podem sofrer algum tipo de violência a ser prevenido no contexto da decisão”.
Os questionamentos da AGU geraram fortes críticas. O autor da ação no STF que criminalizou a homofobia, o advogado Paulo Iotti, pediu nesta quinta (15) ao Supremo para rejeitar o recurso da AGU. Ele considera que o governo quer uma “carta branca”, uma brecha para que atos homofóbicos sejam praticados.
“Uma coisa é falar que é pecado, outra coisa é falar que pessoas LGBTI seriam perigosas, que estariam querendo destruir a nossa sociedade, prejudicar as nossas crianças e outras coisas que são falas reais. Ele quer se sentir discriminado por não poder expulsar uma pessoa LGBTI de um espaço público. Isso é um absurdo. É você tentar disfarçar uma pretensão de discriminação em uma linguagem de direitos humanos, o que é lamentável”, afirma o advogado Paulo Iotti.
A ação da AGU foi apresentada um dia após o ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo, se aposentar. Agora, a ação deve ser direcionada ao substituto dele. O desembargador Kassio Marques foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas ainda precisa ter o nome aprovado pelo Senado. A sabatina será na semana que vem. Se for aprovado, Kassio Marques vai decidir se o tema será levado ao plenário.
Segundo o Grupo Gay da Bahia, que divulga relatórios anuais de mortes violentas de LGBTs no Brasil, em 2019, a cada 26 hora,s um LGBT+ foi assassinado ou se suicidou vítima de preconceito por orientação sexual. Foram 329 mortes de vítimas da homotransfobia. De acordo com os dados, o Brasil é o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais, com mais da metade dos assassinatos de LGBTs no mundo.
A cantora Daniela Mercury pediu nesta sexta uma reunião do Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça. Na carta ao ministro Luiz Fux, presidente do Supremo e do CNJ, Daniela Mercury afirma que “a petição da AGU é vaga, não explica que tipo de situações de fato se refere, mas visa a legitimar condutas discriminatórias. Chega-se ao cúmulo de pedir um direito de segregar pessoas em espaços públicos, como banheiros e vagões de transportes públicos. Como se vê, faz uma tentativa de ressuscitar a horrível e superada doutrina do apartheid, de separados, mas iguais. Não podemos aceitar que exista um direito de discriminar”.
G1