Pesquisa desenvolvida pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Julia Maranhão, no bairro de Mangabeira, em João Pessoa, revela que a pandemia do novo coronavírus tornou a prisão ainda mais árdua para as mulheres.
Únicos aspectos humanizados da pena, a suspensão da visita dos filhos e da entrega de presentes pelas avós maternas aos domingos, devido às medidas de biossegurança, endureceu o encarceramento das mulheres nesta quarentena.
De acordo com a pesquisadora Núbia Guedes, responsável pelo estudo, sob orientação da professora Flávia Pires, se a prisão para as mulheres já era uma experiência mais difícil do que para os homens por causa da maternidade, com a pandemia, todos os problemas sociais dessas mulheres recrudesceram.
Na linguagem das encarceradas, “a mulher, quando é mãe, tira duas cadeias”. “As presas sofrem por estarem sem suas famílias, que são matrifocais, ou seja, caracterizadas pelo fato de a mulher constituir o alicerce financeiro e afetivo. Nessa configuração familiar, a paternidade é algo ausente por diversos motivos, tais como abandono, pais presos ou mortos”, conta a pesquisadora da UFPB.
Segundo Núbia Guedes, que estuda o tema há mais de dois anos, as presas são amorosas com seus filhos. Em suas famílias, a avó materna é o esteio, porque cria os netos mesmo antes do evento da prisão. São chamadas de “mainha”, de “mãezinha” ou de “mamãe”. Muitas vezes, mães e avós maternas se confundem.
Segundo a doutoranda do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da federal paraibana, as mulheres presas, em sua maioria, não têm visita íntima, fato motivado por abandono ou porque seus parceiros têm conflito com a justiça. A fila do presídio feminino, comparada à do masculino, é um grande marcador para se perceber que as mulheres são abandonadas quando presas.
Núbia Guedes relata que, de 2010 a 2019, houve um encarceramento em massa de mulheres no país, conforme dados do Infopen, sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro. A política de drogas, nesse sentido, vem sendo um vértice de aprisionamento.
“Prisão, no Brasil, tem cor, etnia específica e, na atualidade, gênero. As mulheres vêm sendo o grande alvo de encarceramento. Isso traz desdobramentos sociais diversos, refletidos nas crianças. A ausência da mãe causa sofrimento psicológico, problemas na hora de dormir e queixas de febre emocional“, alerta a pesquisadora da UFPB.
Sem as visitas das crianças por conta da pandemia, essa situação deve piorar. Núbia Guedes aponta que os filhos das presas não têm atendimento psicológico privado por serem pobres e não há, por parte do Estado, atendimento, muito menos nas escolas públicas em que estão matriculadas.
“Os filhos das presas se encontram imersos no sistema prisional, sob o fundamento do exercício de direito à alimentação, no caso dos bebês encarcerados, mas também em relação ao convívio familiar, direitos esses preconizados pela Constituição Federal de 1988, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Lei de Execução Penal, além de outras legislações esparsas”, reforça a pesquisadora.
No ponto de vista de Núbia Guedes, no sistema carcerário brasileiro, há uma forma errônea de se administrar, porque considera, majoritariamente, o que pensam burocratas, gestores de grande de níveis, bacharéis e especialistas de diversas áreas.
“As famílias, inclusive as crianças, devem ser ouvidas. Daí a importância da antropologia para as instituições. Esses atores sociais (presos e família) são invisíveis para uma sociedade que sobeja vingança e vendetas, corroborado com os desvios de função ou omissão do Estado em políticas públicas que envolvam essas pessoas. Há uma escassez de pesquisas em prisões, pois esses trabalhos acadêmicos não são de interesse da sociedade, tampouco do poder público”, critica a pesquisadora da UFPB.
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