As vacinas que temos hoje têm se mostrado eficazes contra as mutações e variantes do coronavírus detectadas até agora? A resposta curta é: até onde se sabe, de forma geral, sim.
A resposta mais longa é: algumas vacinas tiveram sua eficácia reduzida contra algumas dessas mudanças no Sars-CoV-2, mas ainda foram capazes de induzir uma resposta do sistema de defesa do nosso corpo contra elas. Outros imunizantes ainda não têm resultados divulgados contra essas mutações e variantes.
As vacinas vão continuar sendo, no futuro, eficazes contra essas mudanças? A ciência ainda não sabe, mas o alerta geral, de cientistas do mundo inteiro, é: precisamos acelerar a aplicação das vacinas e aumentar a quantidade de doses disponíveis.
Isso porque é necessário frear a circulação do vírus. Quanto menos ele circula, menos ele muta, e, portanto, menor a chance de que ele “escape” às vacinas disponíveis hoje.
“Ele [o coronavírus] circulando pouco, enfrenta menos o nosso sistema imune e, portanto, é menos provocado a sofrer mutação – é uma questão biológica, de sobrevivência”, explica o pesquisador Carlos Zárate-Bladés, do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“A vacinação rápida, com as vacinas que já temos, se torna mais fundamental ainda”, completa o cientista.
Além disso, pesquisadores concordam em um segundo ponto: é importante que tenhamos várias vacinas disponíveis – tanto no Brasil quanto no mundo –, de várias tecnologias, justamente para combater as novas variantes e ampliar a cobertura vacinal.
Nesta reportagem, você verá como está a “briga” das vacinas que temos hoje contra as variantes mais preocupantes do Sars-CoV-2, o coronavírus que causa a Covid-19.
As variantes
Modelo 3D do Sars-Cov-2, o novo coroavírus — Foto: Reprodução/Visual Science
Uma variante é uma “versão” do coronavírus, em outras palavras. Quando uma mutação (uma mudança) começa a aparecer muitas vezes no vírus, em sequenciamentos genéticos, isso significa que ela se “fixou”. Isso configura uma variante em relação à “versão” anterior do vírus, a ancestral.
Na tabela abaixo, você pode ver as principais variantes que vêm causando preocupações em cientistas do mundo inteiro.
Principais variantes do coronavírus
VARIANTE | LOCAL DE ORIGEM | PRINCIPAIS MUTAÇÕES | POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS |
B.1.1.7 | Reino Unido | N501Y | Mais transmissível |
B.1351 ou 501Y.V2 | África do Sul | N501Y e E484K | Mais transmissível (N501Y) e com possível enfraquecimento da ação dos anticorpos humanos contra o vírus (E484K) |
P.1 | Brasil (Amazonas) | N501Y, E484K e K417T | Mais transmissível (N501Y) e com possível enfraquecimento da ação dos anticorpos humanos contra o vírus (E484K e K417T) |
P.2 | Brasil (Amazonas) | E484K | Possível enfraquecimento da ação dos anticorpos humanos contra o vírus |
Ao menos um caso de reinfecção pelo coronavírus foi associado à variante P.1 e outros dois à P.2.
No caso da P.1, ao menos três outros estados além do Amazonas já registraram casos: Pará, Bahia e São Paulo. Ela também já foi detectada em ao menos 13 países além do Brasil, segundo um monitoramento internacional de linhagens do vírus que inclui pesquisadores de Oxford e Cambridge. A lista de países inclui Japão, Estados Unidos e Alemanha.
A variante britânica e a sul-africana também já foram encontradas no Brasil.
As vacinas
Profissional de saúde retira dose de frasco da vacina de Oxford para aplicação em Brighton, no sul da Inglaterra, no dia 26 de janeiro. — Foto: Ben Stansall/AFP
Nos infográficos mais abaixo, você pode ver, por tecnologia (plataforma), as principais vacinas que estão sendo aplicadas no mundo hoje ou que estão na última fase de testes em humanos (a fase 3).
Algumas delas já divulgaram seus resultados preliminares e quatro – Moderna, Oxford, Pfizer e Sputnik V – já tiveram esses dados publicados em revistas. Quando isso acontece, é porque eles foram avaliados e validados por outros pesquisadores.
Infográfico mostra como funcionam vacinas inativadas contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/G1
As vacinas inativadas (como a CoronaVac, as da Sinopharm e a da Bharat Biotech)podem ter vantagens contra as variantes porque o corpo passa a “reconhecer” todas as partes do vírus, e não só a proteína S. Os outros tipos de vacina têm apostado na proteína S como alvo da resposta imune.
Mas essa possível vantagem ainda é teórica e precisa ser estudada melhor, avalia Carlos Zárate-Bladés, da UFSC.
Infográfico mostra como funcionam vacinas de vetor viral contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/G1
Já as vacinas de vetor viral (como a Sputnik V, a da Johnson e a de Oxford) e as de RNA (como a da Moderna e a da Pfizer)podem não ser eficazes contra as variantes porque o pedaço do material genético que é usado nelas dá instruções para que o corpo construa a proteína S, que o vírus usa para infectar as células. Se o vírus passa por mutações e essa proteína muda, a vacina pode não funcionar mais.
Infográfico mostra como funcionam vacinas de RNA contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/Arte G1
Por outro lado, esses dois tipos de vacina têm demonstrado ter alguma capacidade, ainda que às vezes diminuída, de neutralizar as variantes do coronavírus. (Veja detalhes mais abaixo).
Para Zárate-Bladés, uma das hipóteses para essas vacinas estarem funcionando até agora é que as mutações que o coronavírus teve não foram amplas ou grandes o suficiente para alterar o epítopo – a porção do vírus que é reconhecida pelos anticorpos neutralizantes.
“Quando somos vacinados, fazemos anticorpos neutralizantes contra a proteína S do coronavírus, e então eles bloqueiam o vírus quando ele entra. Então, mesmo que essas variantes do novo vírus tenham sofrido mudanças, muito provavelmente essas mudanças não chegaram a interromper substancialmetne o reconhecimento pelos anticorpos do sistema imune”, explica o cientista.
Infográfico mostra como funcionam vacinas de subunidades de proteínas contra o coronavírus — Foto: Anderson Cattai/G1
As vacinas de subunidades de proteínas (Novavax e Anhui Zhifei) podem enfrentar problemas semelhantes aos das de RNA e vetor viral. Se a proteína que o vírus usar para infectar as células não for mais a que está na vacina, o corpo também não vai reconhecê-lo como invasor.
“Precisa encontrar qual combinação de antígenos [pedaços do vírus] vai apresentar a resposta imune necessária”, explica Rafael Polidoro, pesquisador de imunologia na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.
As vacinas de subunidades têm mais um detalhe: as proteínas que elas usam são desnaturadas. No vírus de verdade, elas não são, explica Polidoro. Isso significa que as proteínas que o corpo “vê” na vacina não são exatamente iguais às que o vírus tem.
“Então, o corpo faz anticorpo contra uma proteína que é aquela, mas não exatamente aquela”, diz o cientista.
“A variante é justamente isso: uma variante altera um ou mais aminoácidos na sequência [genética] e a proteína muda tanto de conformação que a sua proteína desnaturada [da vacina] fica muito distante da nova [do vírus]”, completa Polidoro.
“Imagine que [a proteína] seja como a dobradura de um joelho. Qualquer variação física – em vez de virar um joelho ela fica parecendo um cotovelo, um pouco mais agudo – já era, [a vacina] não funciona mais. Esse é um dos problemas das vacinas de proteína”, diz.
A vacina da Novavax, que usa as subunidades de proteínas, teve sua eficácia bastante reduzida contra a variante sul-africana. A da Anhui Zhifei, por outro lado, conseguiu manter a neutralização do vírus (veja detalhes mais abaixo).
Uma das possibilidades para essa variação, mesmo em vacinas com a mesma plataforma, é que a Novavax usou células de insetos (traças) para expressar a proteína do coronavírus, avalia Carlos Zárate-Bladés.
“No caso da Novavax, essa proteína é produzida em células de inseto – que são excelentes para fazer as proteínas, mas mesmo assim não exatamente iguais às células humanas. Essas pequenas diferenças no produto final podem ser muito importantes na hora de estimular o sistema imune”, explica o cientista.
Como está o ‘placar’?
Na sexta-feira (5), pesquisadores de Oxford anunciaram, em uma análise preliminar, que sua vacina foi eficaz contra a variante britânica do coronavírus. Por outro lado, um outro estudo inicial apontou que a vacina pode ter eficácia reduzida contra a variante da África do Sul. O país suspendeu a aplicação do imunizante.
A Pfizer e a Moderna anunciaram que suas vacinas conseguiram neutralizar variantes do coronavírus em laboratório – entre elas a britânica (B.1.1.7) e a sul-africana (B.1351 ou 501Y.V2).
Entretanto, ambas tiveram queda na capacidade de neutralização contra a variante da África do Sul (por causa da mutação E484K, que também está nas variantes de Manaus). Ambos os laboratórios afirmaram que vão testar novas fórmulas para garantir a proteção contra as mutações do coronavírus.
Já as vacinas da Sinopharm (BBIBP-CorV) e da Anhui Zhifei (ZF2001) conseguiram neutralizar a variante da África do Sul sem grande queda nos anticorpos neutralizantes. O estudo ainda está em versão prévia (pré-print), mas os pesquisadores apontaram, na conclusão, que os dados sugerem que vacinas de vírus inteiro – as inativadas – ou as que têm como alvo a região RBD, que é a que o vírus usa para se ligar às células, devem manter seu efeito protetor contra a variante sul-africana.
A Johnson anunciou que sua vacina teve 57% de eficácia contra a variante da África do Sul, um dos países onde foi testada. O índice foi menor do que o encontrado para outras variantes do vírus, mas acima do mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 50%.
Já a Novavax informou que a sua vacina teve eficácia bem mais baixa para a variante sul-africana em comparação às outras do coronavírus. Enquanto os dados do Reino Unido apontaram para uma eficácia de 89,3%, os testes feitos na África do Sul concluíram uma eficácia de 49,4%. Dos 27 casos de Covid-19 encontrados lá durante os testes, 25 tinham a variante local do coronavírus.
As vacinas desenvolvidas pela Sinovac (CoronaVac) e pelo Instituto Gamaleya (Sputnik V) ainda não tiveram seus resultados anunciados contra novas variantes. Nenhum desenvolvedor de vacina divulgou, até agora, como elas se saíram especificamente contra a variante do vírus achada no Amazonas que mais preocupa os cientistas, a P.1.
G1