O sangue é o responsável por levar oxigênio, nutrientes e muitos outros elementos que o nosso corpo precisa para os nossos órgãos, mas também podem indicar sinais claros de doenças que podem reduzir a qualidade de vida ou até levar à morte. Por isso, a prevenção deve começar logo ao nascer. A realização de exames mais aprofundados, além do mais comum (o hemograma), é extremamente importante.
Tudo começa com o teste do pezinho, realizado nos primeiros dias de vida, que é capaz de detectar vários problemas de saúde, mas a investigação pode ser ampliada com o teste do pezinho mais avançado, que não é oferecido pelo SUS, e outros exames capazes de detectar até tumores. Tem ainda os sequenciamentos genéticos, mas com exceção do teste do pezinho, os demais só são solicitados pelo profissional dependendo dos sintomas, ou seja, da situação de cada paciente.
O hematologista Gilson Guedes Filho explicou que o teste do pezinho, o primeiro feito nos bebês, investiga as doenças mais frequentes como a fenilcetonúria e hemoglobinopatias. “Sendo diagnosticadas no nascimento, é possível começar a tratar a criança e evitar complicações que podem ser irreversíveis. Se não tratar um hipotereoidismo congênito, a criança vai desenvolver um retardo mental que será pelo resto da vida. Se diagnosticar logo ao nascer, ela vai crescer como uma pessoa normal, sem problemas, apenas fazendo o controle com medicação”, explicou.
Outras doenças do metabolismo, como intolerância a algum medicamento ou alimento, podem ser controladas evitando a ingestão e as consequentes complicações. O teste é o primeiro e pode evitar várias doenças logo ao nascer. Ao longo da vida, porém, muitas doenças são diagnosticadas através de outros exames do sangue, como diabetes, problemas de coagulação, anemias, doenças endócrinas, pode sugerir a presença de tumores através de marcadores tumorais. “É uma infinidade de doenças, mas o exame tem que ser orientado por um médico de acordo com a queixa do paciente. Não existe isso de fazer um exame para diagnosticar tudo. Vai de acordo com a queixa a história de cada um”.
Trombofilia após duas gestações saudáveis
A jornalista Luciana Oliveira tinha dois filhos, em 2007, quando engravidou mais uma vez. “Tive problema no fluxo de sangue da artéria uterina e perdi um bebê com cinco meses de gestação. Fiz exames solicitados por um hematologista para descobrir o motivo e só então descobri a trombofilia”, relatou. Desde então, ela decidiu que não queria mais gerar uma criança. Porém, engravidou novamente em 2015, mas como já sabia do problema, utilizou o anticoagulante e não teve problemas.
“A trombofilia só altera a vida no caso de gravidez que tem que ter cuidado, porque o fluxo de sangue muda, fica mais grosso, e há o risco de trombose. Se for uma viagem longa de avião, algumas pessoas tomam. Depois que perdi o bebê, tive apendicite e, para a cirurgia, também foi necessário o uso de anticoagulante”, contou ela, que é mãe de Virgílio, 15, Lucas, 11 e Felipe, que tem um ano.
Algumas mulheres, por exemplo, só descobrem que têm trombofilia na gravidez e outras quando fazem mapeamento genético antes de engravidar. As trombofilias, de acordo com a hematologista Joacilda Nunes, podem ser adquiridas, mistas e genéticas. “A mulher que necessita ser investigada é aquela que apresenta perdas gestacionais habituais, ou seja, três ou mais abortos com menos de 10 semanas e duas ou mais perdas com idade gestacional acima de 10 semanas. Também precisam de investigação aquelas com história familiar ou que já apresentaram alguma manifestação de tromboembolismo”, explicou.
A heparina, que é uma substância anticoagulante, é injetável e pode ser aplicada de pela própria gestante. Ela evita a formação de trombos e permite que a coagulação de sangue se mantenha normalizada. Quando a trombofilia é diagnosticada antes da gestação, o tratamento com a medicação começa antes mesmo da mulher engravidar.
Traço de anemia falciforme descoberto por acaso
“Sou doador de sangue desde 2011 e fiquei admirado por só ter descoberto seis anos depois, que eu tenho alguma complicação e, por isso, da minha doação, as pessoas recebem apenas as plaquetas. Ainda não sei ao certo o que eu tenho, pois no Hemocentro só me disseram para procurar um hematologista e estou fazendo isso agora”. O depoimento é de Gabriel (nome fictício).
Ele foi informado que havia uma restrição em seu cadastro. “Foi diagnosticado que eu tenho HBS. A médica disse que a única chance que eu tenho de ter filhos saudáveis é se a mulher com quem eu me relacionar for saudável. Se ela tiver alguma alteração genética assim como eu tenho, há um grande risco de que a criança tenha anemia falciforme”, relatou.
A hematologista Joacilda Nunes ressaltou que a triagem para doação de sangue serve para garantir a segurança do sangue para evitar transmissão de doenças infecciosas, como HIV, HTLV, Doença de Chagas, hepatites B e C, sífilis, e não tem qualquer relação com investigação de doenças genéticas. Ela afirmou que é realizado apenas o hemograma que pode indicar alguma anemia, e o doador será encaminhado para investigação mais detalhada da causa, como é o caso do estudante Gabriel.
Investigação faz diferença entre vida e morte
Para os bebês, a solicitação de outros exames após o teste do pezinho só é feita se o médico verificar alguma alteração. “Não existe exame preditivo a ser realizado. Se a triagem não apresentar alterações e a criança não tiver problemas, vai ser acompanhada nos dois primeiros anos de vida quanto ao desenvolvimento neuropsicomotor. Só se apresentar atraso ou alterações é que será investigada com outros exames”, afirmou a hematologista Joacilda Nunes.
Ela acrescentou que a triagem neonatal é feita com a intenção de estabelecer uma intervenção o mais precoce possível. “Às vezes, a doença se manifesta mais intensamente aos seis meses como, por exemplo, a anemia falciforme, mas o diagnóstico deve ser feito já no período neonatal. Ainda que não se possa curar, cuidados e assistência devem ser instituídos para redução de danos e evitar complicações e morte”, destacou.
Muitos desses problemas que deixam rastros no sangue podem ser controlados se diagnosticados e tratados precocemente, possibilitando ao paciente ter uma vida normal. “Um hipotireoidismo pode ser curado e controlado. Se tomar o remédio está curado, e também controlado porque sempre vai ter que tomar o remédio. Mas, depende muito da doença. No caso do diabetes, só controla. O segredo é tratar precocemente”, destacou Gilson Guedes Filho. “O diagnóstico precoce e o tratamento adequado possibilitam melhor qualidade de vida e menor índice de mortalidade”, acrescentou a especialista Joacilda Nunes.
Quando investigar
Quando há suspeita de alguma doença, o médico direciona o paciente para confirmação do diagnóstico. Os sintomas dependem de cada doença. De forma frequente, conforme a hematologista Joacilda Nunes, a doença hematológica pode ter relação com as hemácias defeituosas, o que causaria as anemias hereditárias, além de defeitos nas plaquetas ou nos fatores de coagulação do sangue. Estes fatores se manifestam por sangramentos. Pode haver ainda um defeito nos leucócitos que causaria risco aumentado desses sangramentos.
Ela explicou que a investigação deve ser feita em recém-nascidos que adoecem agudamente. Neste caso, seria para verificar a possibilidade de um erro inato de metabolismo. A especialista destacou ainda que as alterações no sangue de um paciente com doença genética dependem do grupo de células onde o defeito se expressa.
Além disso, lembrou que muitas dessas doenças são letais e outras têm risco aumentado de morte por lesão de órgãos, acidentes hemorrágicos, trombóticos, infecções graves. Em relação a tratamentos, Joacilda Nunes explicou que, no caso das doenças de origem genética, muitas vezes a única solução é o transplante de medula óssea. Em outras, pode haver a necessidade de um regime de reposição de fatores de coagulação e outras, transfusão de sangue.
Alguns sintomas que não podem ser ignorados
Palidez
Icterícia
Sangramentos
Infecções de repetição
Atraso no desenvolvimento
Atraso na fala
Atraso motor
Transtorno do Espectro Autista
Malformações de órgãos
Crianças com dismorfias, ou seja, com aspecto diferente.
Avaliação genética
O exame laboratorial mais simples em genética é o cariótipo, em que são visualizados todos os cromossomos. Se a causa de uma síndrome for cromossômica, como a Síndrome de Down, o cariótipo é o exame indicado. Mas, segundo a professora de Genética da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Paula Frassinetti Vasconcelos de Medeiros, não detecta pequenos defeitos nos cromossomos, as chamadas Síndromes de Microdeleção ou Microduplicação. Com o cariótipo não é possível identificar uma síndrome ou doença no gene.
“Na Paraíba houve e ainda há, em uma menor escala, uma elevada frequência de casamentos consanguíneos e, com isto, também uma elevada frequência de doenças ou síndromes genéticas, algumas delas muito raras”, afirmou. A médica afirmou que não há tratamento específico para todas as doenças genéticas. “Mas, os avanços são fantásticos e crescem exponencialmente”.
Ela destacou que a história clínica do paciente e um exame físico minucioso são imprescindíveis para a indicação de um exame genético que, em geral, é feito através de células do sangue. “Hoje se fala na Medicina Baseada em Genética, pois avançamos a passos largos no entendimento da genética como base para as doenças”, acrescentou. E emendou: “Quando há uma doença genética todas as células apresentam a mutação, embora a manifestação clínica da doença seja mais notável em um órgão ou sistema”.
DESTAQUE
“Hemograma não é exame genético, mas pode até indicar a possibilidade de uma doença genética. O exame genético indicado depende da avaliação do paciente e da análise da história médica da família do paciente” – Paula Frassinetti Vasconcelos de Medeiros, professora de Genética da UFCG.
CARIRI EM AÇÃO
Correio da Paraíba/Foto: Google
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