A Justiça do Espírito Santo condenou a 44 anos de prisão o homem acusado de estuprar e engravidar uma menina de dez anos em São Mateus, cidade distante a 218 km de Vitória.
O caso ganhou repercussão nacional pela violência e, depois, pelos entraves enfrentados pela vítima para conseguir realizar o aborto autorizado pela Justiça. O condenado pelo crime, que tem 33 anos, era casado com a tia da vítima.
Segundo o Tribunal de Justiça capixaba, o juiz responsável pela sentença fixou o regime fechado para o cumprimento da pena — de 44 anos, três meses e cinco dias de reclusão — e manteve a prisão preventiva.
A condenação foi expedida em 8 de fevereiro, mas como o processo segue em segredo de Justiça, só foi tornada pública agora.
A reportagem não localizou os advogados do condenado. À imprensa do Espírito Santo a defesa do réu informou que ingressou com recurso de apelação por considerar a pena injusta.
A violência sexual contra a criança veio à tona em agosto de 2020. As investigações da Polícia Civil concluíram que a vítima foi abusada sexualmente ao longo de quatro anos. Um exame de DNA que consta nos autos também confirmou que o condenado havia engravidado a menina.
Após ter sido indiciado pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável, o homem fugiu de São Mateus, mas foi preso dias depois em Betim (MG) e levado novamente ao Espírito Santo.
A menina só foi levada a um hospital de São Mateus quando já estava com 21 semanas de gestação. Foi a partir daí que a polícia passou a investigar o estupro.
Especialistas em direito da criança disseram, na época do crime, que o atendimento à vítima começou errado desde o início e, por isso, a menina passou por tantos problemas.
Em vez de ter continuado no hospital, a vítima foi liberada e seguiu para um abrigo de crianças vulneráveis em Vitória (ES). Só uma semana depois, no dia 14 de agosto de 2020, a menina obteve na Justiça aval para fazer o aborto.
No Brasil, o aborto é legal em três situações: por estupro, quando o feto é anencéfalo (sem cérebro) e quando a mãe corre risco de morrer. O caso da menina se enquadrava em dois desses fatores.
O juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude de São Mateus, concedeu o direito à vítima de fazer o aborto e reproduziu no seu despacho o desespero da garota quando era atendida por uma assistente social.
Ao ser informada pela profissional que estava grávida, a menina entrou em “profundo sofrimento, grita, chora e afirma não querer levar a gravidez adiante”, escreveu o juiz.
Mesmo com a sentença favorável da Justiça pelo aborto, a menina precisou deixar o Espírito Santo para concluir o procedimento médico.
É que durante o atendimento no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes, vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória, a menina não teve o processo de indução do aborto iniciado passando apenas por exames.
A unidade chegou a informar aos responsáveis da criança que ela deveria voltar dias depois para uma nova avaliação clínica. Mas, na época, a menina já estava em um período avançado de gravidez e apresentava diabetes gestacional.
Foi, então, que dois dias depois a menina seguiu de avião para o Recife (PE) acompanhada da avó e de uma assistente social do governo capixaba, e conseguiu fazer o aborto no Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), hospital referência no atendimento à saúde da mulher.
A viagem, realizada em um avião comercial, deveria ter ocorrido de forma sigilosa, mas foi divulgada nas redes sociais de conservadores. A bolsonarista Sara Winter chegou a publicar o nome da vítima, contrariando o que preconiza o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
A chegada da menina causou protestos pró e contra o aborto em frente ao hospital do Recife. Grupos cristãos fizeram rodas de oração, e médicos do hospital foram chamados de “assassinos”. O tumulto só terminou após intervenção da Polícia Militar.
A menina concluiu o aborto e hoje tenta retomar a vida. Ela e a família integram o Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência, que é oferecido pelo governo do estado do Espírito Santo.
Entre outras medidas, o programa disponibiliza mudanças de identidade e de endereço aos assistidos. Antes da violência sexual à que foi submetida, a menina capixaba já tinha sofrido a morte precoce da mãe e ausência do pai, que está preso.
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