‘Pessoas trans têm muito a agregar nos espaços corporativos’, diz empresária que luta por inclusão e diversidade nas empresas

A falta de perspectiva de conseguir um emprego na sua área de formação levou Gabriela Augusto a empreender. Mulher trans e negra, ela não aceitou o preconceito e hoje ajuda empresas a serem mais inclusivas.

G1 publica a partir desta segunda-feira (8) uma série de 5 reportagens com mulheres empreendedoras que comandam negócios de impacto social.

Gabriela passou pelo processo de transição de gênero quando estava na faculdade de direito, aos 21 anos. Seu maior obstáculo foi lidar com a vida profissional.

“Comecei a me perguntar onde eu queria trabalhar e a olhar para empresas onde queria estar, e não via pessoas como eu. Não tinham muitas pessoas negras e não vi nenhuma pessoa trans. Seria possível estar nesses lugares? Se ninguém tinha chegado lá, por que eu seria a primeira?”, questionava.

Mas foi esse cenário injusto e a falta de liberdade de poder ser quem realmente é que levaram Gabriela para todos os lugares que desejou. Hoje ela comanda a Transcendemos, consultoria em diversidade e inclusão, que criou em 2017.

Uma das missões de Gabriela é conectar grupos sub-representados a empresas comprometidas com a diversidade — Foto: Acervo pessoal

Uma das missões de Gabriela é conectar grupos sub-representados a empresas comprometidas com a diversidade — Foto: Acervo pessoal

De porta em porta

Em 2016, Gabriela criou o Manual Empresa de Respeito, um livrinho de bolso com os principais conceitos relacionados a igualdade racial e de gênero, e ao combate à LGBTfobia.

Ela bateu na porta de muitas empresas, de bares, restaurantes, academias e agências de publicidade oferecendo o manual de forma gratuita. No entanto, a maioria dos negócios não via valor no material.

Era comum receber respostas do tipo: “Temos o posicionamento de não levantar bandeira nenhuma”, “Não estamos disponíveis para ajudar”, “Não nos envolvemos em nenhum tipo de movimento”.

Valor da diversidade nos negócios

Vendo a dificuldade dessas empresas de perceberem o valor da inclusão, Gabriela começou a basear sua argumentação na ideia de que esses ideais estão relacionados a um diferencial competitivo.

“Estamos falando de responsabilidade social, em tornar o mundo um lugar melhor e mais justo, mas também em tornar a empresa melhor. Um negócio mais diverso é mais inovador, mais criativo”, afirma.

Com persistência e um discurso com muita informação, a empresária começou a conquistar espaço no mundo corporativo. Veio o primeiro cliente: uma hamburgueria. Gabriela treinou os garçons e atendentes e foi paga com hambúrgueres.

Inicialmente, as empresas a procuravam para ações de conscientização e treinamento, mas logo começaram a se interessar também por ações estratégicas. Com o tempo, passou a oferecer programas de diversidade mais estruturados, com calendário de ações e mecanismos de como levantar dados sobre o tema.

“É difícil melhorar o que a gente não consegue medir, por isso criamos um censo de diversidade e inclusão nessas empresas para pensar nas ações que são tomadas”, explica.

Gabriela em evento do Comuto, programa de desenvolvimento profissional da Transcendemos — Foto: Divulgação

Gabriela em evento do Comuto, programa de desenvolvimento profissional da Transcendemos — Foto: Divulgação

Preconceito e exclusão

A Transcendemos também qualifica pessoas de grupos sub-representados, apoiando seu desenvolvimento profissional e as conectando com empresas parceiras.

“A gente não pode generalizar e pensar que a pessoa trans é necessariamente ligada à prostituição, que não tem educação, ensino superior, porque existem, sim, pessoas negras, trans muito bem capacitadas. Mas também há aquelas que carecem de apoio. É para elas que fazemos nossas ações”, afirma.

O processo de exclusão dessas pessoas não está relacionado só ao mundo corporativo, o problema começa bem antes. Muitas pessoas trans não têm o apoio da família, são expulsas de seus lares ainda na adolescência, enfrentam preconceito nas escolas e nas universidades.

Essa realidade leva a números alarmantes. O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. Aqui, 90% desta população tem a prostituição como fonte de renda, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Segundo Gabriela, isso acontece por falta de alternativa e não por opção. Mais oportunidade para essas pessoas dentro das empresas pode mudar muita coisa.

Veja abaixo alguns trechos da entrevista do G1 com Gabriela Augusto.

Inclusão é o caminho

A especialista em diversidade diz que costuma fazer algumas provocações às empresas.

“Por que não contratar uma pessoa com inglês iniciante e qualificá-la? Por que não criar programas de trainees focados em pessoas negras ou contratações focadas em pessoas trans?”, questiona.

“Precisamos enxergar a nossa potência e essa inclusão não é um favor, pessoas trans têm muito a agregar nos espaços corporativos”.

Gabriela Augusto criou a Transcendemos e é especialista em diversidade e inclusão — Foto: Acervo pessoal

Gabriela Augusto criou a Transcendemos e é especialista em diversidade e inclusão — Foto: Acervo pessoal

Mulher, trans e negra

“Nunca foi fácil. É duas vezes mais difícil por ser mulher e aí a gente dobra esse número por eu ser uma mulher trans”.

Muitas empresas tiveram dificuldade em notar credibilidade no trabalho de Gabriela.

“Muitas preferiam um homem branco para falar de diversidade ao invés de uma mulher trans e negra”.

“Foi só no final de 2019, começo de 2020, que recebi alguns reconhecimentos importantes e comecei a consolidar minha credibilidade”, conta.

Gabriela recebeu o McKinsey LGBTQ+ Achievement Award, importante no cenário de inclusão e diversidade corporativa. Também se tornou LinkedIn Top Voice.

“Esses reconhecimentos chancelaram meu trabalho”.

Diversidade também pode dar lucro

Estudo da McKinsey de 2015, com algumas atualizações recentes, aponta a relação entre diversidade racial e de gênero em lideranças nas empresas e o impacto disso na performance financeira dessas organizações.

“Há essa relação entre lucratividade dos negócios e diversidade e inclusão. Mas arrisco dizer que é mais complexo que isso”.

Para Gabriela, há vários movimentos simultâneos acontecendo que oferecem uma pressão para que essas empresas se posicionem na sociedade.

“A gente tem um público consumidor demandando isso. Dá pra citar como exemplo a comoção com o caso do Carrefour”.

Na ocasião, um homem negro foi espancado até a morte em uma unidade do grupo de supermercados, em Porto Alegre.

Conselho para quem quer empreender

Um dos “skills” (habilidades profissionais) no mundo empreendedor é inovação, é criatividade, alerta Gabriela.

“A gente como mulher trans precisa entender o nosso potencial”.

Por terem uma diferente experiência de vida, as mulheres trans têm condições de levar uma visão especial para os negócios.

“Eu acredito muito no poder da nossa comunidade feminina trans no mundo do empreendedorismo”.

G1