“Todo dia é dia de a gente se conscientizar sobre ser diferente, algo inerente à condição humana. O autismo é só mais uma das diferenças”, afirma a professora Mônica Costa, mãe do José Miguel, 5 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista com 1 ano e meio de idade. Neste 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo, mães relatam como o isolamento social tem sido desafiador para esse grupo social, mas afirmam que também é possível mostrar avanços no desenvolvimento.
Mônica, que é doutoranda em educação inclusiva, diz que o começo foi mais difícil, pois Miguel tinha uma rotina muito movimentada, com as atividades terapêuticas e a escola. “A pessoa com autismo é extremamente apegada a rituais, rotinas. Aí houve essa ruptura. Isso trouxe para ele sofrimento, entrava em crise durante o dia, chorava, se desorganizava. O que tentei fazer foi manter os mesmos horários e ir promovendo ao longo do dia atividades que ele costumava fazer”.
Os passeios de moto ao entardecer foram fundamentais para Anna Clara, 14 anos. “Ela gosta muito de andar de moto, então todo dia, no fim da tarde, a gente dava uma voltinha. Ela escolhia o caminho. Essa volta de moto era muito significativa, porque era o momento em que ela se soltava mesmo”, relata a mãe Laura Marsolla, também professora. Clara foi diagnosticada aos 7 anos com um grau leve do Espectro Autista. “Como é verbal, ela se comunica muito bem e ia dando dicas pra gente: estou com vontade disso, não quero aquilo.”
Karina Frizzi, psicóloga e analista do comportamento do Grupo Conduzir, clínica especializada, percebe que há muitos esforços dos pais nesse acompanhamento. “Os pais estão sempre preocupados em estimular os filhos, então acaba sendo uma carga grande, principalmente para as famílias que não tem um suporte”.
Segundo dados do Centro de Controle de Doenças e Prevenção, dos Estados Unidos, existe hoje um caso de autismo a cada 59 crianças. Ainda de acordo com o centro, pessoas com transtornos no desenvolvimento cognitivo, independentemente da idade, têm risco maior de contágio pelo novo coronavírus. Além disso, se forem infectadas, podem apresentar formas mais agudas da doença.
Avanços
Apesar de apresentar mais dificuldades na interação social, Mônica afirma que percebe ganhos importantes de Miguel na comunicação e em atividades cotidianas. “Como estou em casa, pude acompanhar mais de perto esse processo de desfralde, por exemplo. São ganhos que para alguns podem ser pequenos, mas para ele são muito significativos: uma comunicação mais eficiente e ganhos de habilidade da vida diária, como se alimentar sozinho, desfraldar e usar o banheiro”.
Com Anna Clara, a necessidade de estabelecer uma rotina com as aulas online contribuíram para avanços na autonomia e responsabilidade. “A gente fica muito feliz em ver o quanto ela foi treinada na resolução de problemas nesse período”, relata Laura. A mãe lembra que também percebe dificuldades resultantes da falta de interação. “Na escola, ela acompanha a turma, a linguagem do pessoal, então vai aprendendo junto com os pares. Ficando em casa, já não tem essa troca”.
Diagnóstico
Por não se tratar de uma doença, mas de uma condição que tem relação com o desenvolvimento neural, tanto Mônica quanto Laura relatam dificuldades na definição do diagnóstico. “Essa busca não foi fácil. Ele era muito novo e também há essa cultura dos médicos de invalidar, deslegitimar a fala das mães, que por vezes dificulta o diagnóstico. Como o autismo é um conjunto de comportamentos, às vezes aqueles comportamentos não se manifestam no consultório do médico.”
Rio de Janeiro – Caminhada do Dia Mundial da Conscientização do Autismo – Tânia Rêgo/Agência Brasil/Arquivo
O diagnóstico de Anna Clara, por sua vez, foi aos 7 anos. “Levamos em vários profissionais e eles diziam que viam algumas características que eram de autismo, mas ela tinha muita coisa que não era. Ela falava, conversava bastante, não tinha problema de pedir as coisas para os outros, olhava nos olhos, abraçava, era muito afetiva, então foi difícil fechar o diagnóstico”, lembra.
Desconhecimento
“A criança é mimada”, “A mãe não deu limite”, “A criança faz birra e se joga no chão”. Essas são alguma das frases e dos olhares condenatórios ao qual pais e responsáveis por pessoas com autismo precisam lidar. Por isso, informação é fundamental. As duas mães foram taxativas ao destacar a necessidade de mais conhecimento sobre essa condição na sociedade.
“O autismo não determinará até onde ela vai chegar, ou deixar de chegar, são as condições, as possibilidades que são dadas a esse sujeito, as oportunidades sociais, escolares, de intervenções terapêuticas que vão fazer toda a diferença”, diz Mônica, acrescentando a necessidade de melhor acolhimento nos serviços de saúde. “Existem ações pontuais, mas é preciso uma política mais efetiva para garantir os direitos deles.”
“O desconhecimento do autismo era uma coisa que vivia em mim”, reconhece Laura. Ela conta que associava a condição às estereotipias, que são ações repetitivas ou ritualísticas vindas do movimento, da postura ou da fala. “Quando saiu o diagnóstico de que ela era autista, aí que nós fomos descobrir que existem muitas diferenças entre eles. E que ela é sim autista, e tudo bem.”
Atendimento
Na capital paulista, o atendimento a pessoas com autismo é feito por unidades básicas de Saúde (UBS), por centros especializados em Reabilitação (CER) e centros de Atenção Psicossocial (CAPS). “O trabalho dos CAPS consiste no serviço de apoio e subsídio ao processo diagnóstico, à articulação de serviços de saúde, ao apoio às equipes que trabalham em rede, acompanhamento direto das situações de gravidade e corresponsabilidade na atenção às urgências.”
Agência Brasil