Era madrugada de 18 março de 1990 quando dois homens vestindo uniforme policial chegaram ao Museu Isabella Stewart Gardner, em Boston, no Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, e disseram aos guardas de plantão que estavam investigando distúrbios naquela área da cidade americana.
Eles logo amarraram os dois guardas e, durante exatos 81 minutos, roubaram 13 obras de arte de nomes como Rembrandt, Vermeer, Degas, Manet e outros artistas renomados.
Mais de 30 anos depois, o crime ainda é considerado o maior roubo de arte da história e continua sem solução.
O valor total das obras levadas pelos criminosos, que incluem pinturas, gravuras e artefatos históricos, é avaliado em mais de meio bilhão de dólares (cerca de R$ 2,8 bilhões).
O museu ainda marca o local onde as peças estavam expostas com molduras vazias, à espera de seu retorno, e continua oferecendo recompensa de US$ 10 milhões (cerca de R$ 56 milhões) por “informações que levem à recuperação de todas as obras roubadas”.
Mas apesar de inúmeras teorias e suspeitos, que envolvem desde pessoas com acesso privilegiado ao museu até membros da máfia, as investigações nunca levaram a uma conclusão sobre quem seriam os culpados ou onde as obras estão escondidas.
Ao longo dos anos, esse mistério cativou o público americano e foi tema de vários livros, podcasts e até de capítulos de séries de TV, como “Os Simpsons”.
Agora, o assunto voltou a despertar interesse com a estreia nesta semana do documentário “O Maior Roubo de Arte de Todos os Tempos”, na Netflix. Dividida em quatro episódios e dirigida por Colin Barnicle, a série explora os detalhes do roubo e da investigação.
O valor total das obras roubadas, que incluem pinturas, gravuras e artefatos históricos, é avaliado em mais de meio bilhão de dólares — Foto: Netflix via BBC
Os detalhes do roubo
Muita gente ainda estava na rua naquela madrugada, voltando para casa depois das comemorações do Dia de St. Patrick. Algumas dessas pessoas depois disseram ter visto dois homens com uniformes policiais em um carro estacionado nas proximidades de uma porta lateral do museu por volta de 0h30min.
“Dois guardas estavam de plantão naquela noite”, relata Anthony Amore, o chefe de segurança, em depoimento em áudio divulgado pelo museu.
Segundo Amore, à 1h24min os ladrões, vestidos como policiais do Departamento de Polícia de Boston, chegaram à porta externa da área de segurança onde os guardas ficavam.
“Pelo interfone, do lado de fora, os ladrões disseram que estavam respondendo a um relato de distúrbio. Parecia plausível. Afinal, era a noite do Dia de St. Patrick e foliões ainda estavam na rua”, lembra.
Contrariando o protocolo, um dos guardas de plantão, Richard Abath, abriu a porta para os supostos policiais, permitindo que entrassem pela portaria dos funcionários.
“Uma vez dentro do museu, eles imediatamente dominaram os guardas. Cobriram seus olhos e suas bocas com fita adesiva e os colocaram no porão, longe um do outro, algemados”, diz Amore.
Durante mais de uma hora, os criminosos percorreram várias galerias do museu, cortando obras de arte de suas molduras e espalhando cacos de vidro pelo chão.
Entre as obras roubadas estavam pinturas valiosas, como Cristo na Tempestade no Mar da Galileia (1633) e Dama e Cavalheiro de Preto, ambas de Rembrandt, e O Concerto (1663-1666), de Vermeer.
Mas, segundo o chefe de segurança, os ladrões também deixaram para trás obras raras e valiosíssimas, enquanto levaram outras peças de menor valor, o que confunde os investigadores. Para Amore, os criminosos “não eram exatamente especialistas em arte”.
Dois homens vestidos com uniformes policiais convenceram os guardas a abrirem a porta e entraram no museu de madrugada — Foto: Netflix via BBC
Os ladrões partiram às 2h45min, depois de fazer duas viagens separadas ao carro carregando as obras de arte.
“Eles ficaram 81 minutos no museu. Imagine isso, uma hora e 21 minutos! A maioria dos roubos de arte são ações rápidas, de cinco a dez minutos”, observa Amore.
A investigação
Os guardas permaneceram algemados até a chegada da polícia, às 8h15min da manhã.
Poucos dias depois, o FBI (a polícia federal americana) divulgou um retrato falado e descreveu os suspeitos como “dois homens brancos de cabelos e olhos escuros”.
Inicialmente, havia suspeitas sobre Abath, o guarda que abriu a porta para os criminosos, que na época tinha 23 anos de idade.
Naquela noite, antes do roubo, ele teria aberto e fechado a porta do museu rapidamente, o que, para alguns, poderia significar um sinal para os ladrões.
Outra suspeita era a de que ele poderia ter roubado uma peça que sumiu da Sala Azul, galeria onde os detectores de movimento captaram apenas a sua presença, durante uma das rondas, mas não a dos ladrões.
Em entrevistas à imprensa americana nos anos posteriores, Abath admitiu que às vezes chegava ao trabalho bêbado ou após usar drogas e que chegou a deixar que um grupo de amigos entrasse no museu depois do fechamento, o que era proibido.
Segundo Abath, o principal atrativo do emprego era o tempo livre que tinha para se dedicar ao que realmente gostava, que era tocar em bandas de rock.
Mas ele sempre negou qualquer participação no crime, e disse que suas ações naquela madrugada eram resultado da falta de treinamento adequado. Ele nunca foi acusado formalmente.
As teorias
Também havia suspeitas do envolvimento de membros da máfia ou de gangues locais e de que as peças roubadas estariam sendo transportadas para outras cidades por meio dessas redes criminosas.
Muitos acreditavam que James “Whitey” Bulger, um dos mafiosos mais poderosos de Boston, tinha algum tipo de participação no crime, mas isso nunca foi provado, e ele foi morto em 2018.
Myles Connor Jr, um conhecido ladrão de arte que já havia roubado vários museus, estava preso na época, mas alguns acreditavam que ele poderia ter organizado o crime mesmo de dentro da prisão.
Os criminosos percorreram várias galerias do museu durante 81 minutos e levaram tanto obras valiosas quanto peças de menor valor — Foto: Netflix via BBC
Outra teoria era a de que o mafioso Robert Donati estaria planejando trocar as obras pela liberdade de um dos chefões presos na época. Donati foi morto em 1991.
Outro mafioso, Carmello Merlino, teria dito a informantes que planejava recuperar as peças roubadas e receber a recompensa. Ele morreu em 2005, enquanto cumpria pena de prisão por um roubo armado sem relação com o crime no museu.
Em 2015, dois de seus comparsas, George Reissfelder e Leonard DiMuzio, chegaram a ser apontados como os prováveis criminosos. Eles haviam morrido anos antes, em 1991.
Ao longo dos anos, vários outros foram suspeitos de envolvimento no crime, entre eles o ladrão de bancos Robert Guarente, morto em 2004, o criminoso irlandês Martin Foley, chamado “The Viper”, e os gângsters Louis Royce e David Turner.
Até hoje, no entanto, apesar de múltiplas suspeitas, ninguém nunca foi preso e não se sabe o destino das obras roubadas.
Nesses mais de 30 anos desde o crime, as autoridades envolvidas na investigação calculam ter recebido pelo menos 30 mil contatos de pessoas que diziam ter alguma pista.
“Nós ainda temos esperança de que as peças serão recuperadas”, diz Amore, ao pedir que quem tiver alguma pista entre em contato.
“Entre em contato se você tiver qualquer informação concreta. Qualquer fato. Mas não teorias. Acredite, nós já ouvimos todas as teorias mil vezes.”
G1