Para teles, Anatel quer cobrar preço alto demais por licenças 5G

A menos de dois meses do leilão do 5G no Brasil, as teles questionam a precificação das licenças de operação do novo serviço que deverão custar R$ 35 bilhões.

As operadoras enviarão ao TCU (Tribunal de Contas da União) um levantamento mostrando que as frequências no país estão valendo proporcionalmente mais do que na França, Alemanha e Itália, perdendo somente para os Estados Unidos.

As frequências são como avenidas no ar por onde as teles fazem trafegar seus sinais. Fora delas ocorrem interferências.

O cálculo do valor das frequências para a quinta geração foram feitos pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Agora, o TCU avalia se houve ilegalidades ou se alguma das regras do edital contraria o interesse público.

Os auditores do tribunal já começaram a esmiuçar o edital e fizeram questionamentos ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) e à agência.

Nesta quinta-feira (6), em uma reunião virtual promovida pela Conexis (a associação das operadoras), o ministro Fábio Faria (Comunicações) afirmou que o processo deve atrasar o leilão do 5G para meados de julho deste ano, e não mais junho.

Duas propostas foram contestadas: a criação de uma rede privativa para a administração pública federal e o Pais (Programa Amazônia Integrada Sustentável). Juntos, eles deverão consumir ao menos R$ 2,5 bilhões.

Pelas regras do edital, os investimentos obrigatórios serão calculados pela Anatel e abatidos do preço das licenças. A expectativa é que sejam praticamente equivalentes.

Este é o centro das controvérsias dentro do setor. Antes mesmo de Faria ser nomeado para o cargo, as regras em discussão na Anatel para o edital do 5G (não muito diferentes das atuais) sinalizavam para algo em torno de R$ 20 bilhões pelo preço das licenças.

Naquele momento, no entanto, não havia uma solução para o possível banimento da chinesa Huawei na construção das novas redes 5G.

Alinhado ao ex-presidente dos EUA Donald Trump, Bolsonaro cogitou barrar a gigante chinesa. Isso levaria à troca em massa dos equipamentos 4G e 3G hoje instalados porque não conversam com a tecnologia 5G de outros fabricantes.

As operadoras levantam suspeitas de que a agência estaria agora forçando o preço das licenças para poder contemplar todas as contrapartidas exigidas pelo governo.

Com a chegada de Faria, a saída para o impasse foi a construção de uma rede privada para o governo. A medida, segundo o ministro, afastou o banimento da companhia chinesa.

No entanto, auditores do TCU consideram que pode haver ilegalidade na exigência. Avaliam que, ao delegar à iniciativa privada a construção da rede, o governo pode estar tentando escapar de um processo licitatório.

Também questionam o alinhamento desse projeto com os preceitos definidos pela Lei Geral de Telecomunicações. Segundo eles, a rede não contribui com o desenvolvimento das telecomunicações e, assim, prejudica o interesse público.

No caso do projeto de conectividade na Amazônia, as teles afirmam que será uma perda de recursos porque os rios da região têm muitos sedimentos e as fibras ópticas, que serão depositadas nos leitos, poderão ser facilmente danificadas.

Para as operadoras, o melhor seria delegar a obrigação de conexão por meio da melhor tecnologia em cada região – satélites ou rádios. O projeto do edital, no entanto, é defendido pelo Exército.

Os auditores do TCU avaliam que, neste caso, pode haver mau uso do dinheiro público.

Mas, para as teles, o maior questionamento ainda reside na precificação das licenças. O cálculo do valor das frequências 5G leva em consideração o possível faturamento pelas teles ao longo de duas décadas.

Essa previsão sempre foi feita com base em receitas geradas pelo consumidor final, pessoas físicas e empresas. Com o 5G, essa lógica foi quebrada porque poderá haver outros negócios como a automação industrial e a internet das coisas.

Embora a Anatel tenha levado esses novos tipos de receita em conta, as operadoras ainda não tiveram acesso aos cálculos. Mesmo assim, elas já contestam os valores.

Nos EUA, por exemplo, as três operadoras (Verizon, AT&T e T-Mobile) pagaram US$ 85 bilhões por 350 MHz de frequências, uma média de US$ 245 milhões por MHz –pouco mais que o faturamento anual conjunto das três operadoras no ano passado (US$ 210 bilhões). A receita média por cliente nos EUA foi de US$ 37.

Na Alemanha, Telekom Deutschland, Vodafone Germany e Telefónica Germany faturaram US$ 23,2 bilhões no mesmo período e desembolsaram, em média, US$ 18,7 milhões por MHz.

Na Itália, as receitas das quatro operadoras (Iliad, Telecom Italia, Vodafone Italia e Wind Tree) totalizaram US$ 15,7 bilhões e, em média, cada MHz no 5G saiu por US$ 6 milhões. Na Alemanha e na Itália, o gasto médio de cada cliente girou em torno de US$ 14.

No Brasil, o gasto médio por cliente nas cinco operadoras (Vivo, Claro, Tim, Oi e Algar) foi de US$ 4 e a receita conjunta ficou em US$ 12,4 bilhões. O preço estimado das licenças será de US$ 6,4 bilhões –quase metade da receita anual do setor.

Nesse patamar, o MHz sairia por US$ 1,7 milhão considerando a faixa 26 GHz.
Nos outros países essa faixa não se mostrou comercialmente viável. Caso não haja interessados nessa frequência no Brasil, o preço médio do MHz no leilão passsaria para US$ 12,5 milhões, segundo as teles.

Embora o preço seja razoável diante da média verificada em outros leilões 5G, as teles afirmam que o tempo que levarão para amortizar será muito maior, considerando o gasto médio por cliente – algo que repetirá o que chamam de “erro do passado” cometido pela agência no cálculo das frequências 4G, menos rentável do que se previa.

Consultado, o Ministério das Comunicações disse que vai esperar os questionamentos oficiais do TCU para se pronunciar. O TCU disse que não comentaria porque o processo está em sua fase inicial e corre sob sigilo neste momento.

A Anatel não respondeu até a conclusão desta reportagem.

ClickPB