Reitor retira a UFPB de projeto de divulgação científica do Nordeste; comunidade acadêmica reage

A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) não vai mais participar do programa UniVERciência, um consórcio que reúne universidades e TVs universitárias dos nove estados do Nordeste e que tem o objetivo de divulgar a produção científica regional. A proposta provocou revolta da comunidade acadêmica, que promete levar o caso ao Conselho Universitário, instância máxima da universidade. Lançado cinco dias atrás, com parcipação da própria UFPB, o objetivo é produzir 13 programas de 26 minutos cada com reportagens de todos os estados sobre o que está sendo produzido de ciência em cada um deles.

Em ofício com data de quarta-feira (26), mas que só nesta quinta-feira (27) se tornou público, o reitor Valdiney Gouveia formaliza a saída da UFPB do projeto e alega “falta de afinidade às pautas e aos trabalhos desenvolvidos”, acusando o programa de ter “propósitos político-partidários”.

Documento assinado pelo reitor retira UFPB de consórcio com outras instituições do Nordeste — Foto: UFPB/Reprodução

Documento assinado pelo reitor retira UFPB de consórcio com outras instituições do Nordeste — Foto: UFPB/Reprodução

Ao G1, o reitor reafirmou que a decisão foi tomada por classificar a inciativa como “política”. Ele disse que chegou a essa conclusão ao assistir a solenidade de lançamento do programa, quando professores de diferentes instituições cobraram mais apoio financeiro do Governo Federal às universidades. “O que tem de ciência nisso? Trata-se de um programa para se fazer política que não tem interesse para a universidade”, resumiu.

Os argumentos não convenceram a comunidade acadêmica. O presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba (Adufpb), professor Fernando Cunha, admitiu que foi pego de surpresa, mas destacou que vai se reunir com a diretoria da entidade para emitir o quanto antes uma nota de repúdio contra o que chamou de “ataque à liberdade de imprensa”, já que a decisão afeta a participação de uma TV Universitária num projeto científico. Ele prometeu também levar o debate à sociedade, para além dos muros da universidade, como forma de pressionar para que a decisão seja revista.

Fernando lamentou que a medida tenha sido feita de forma unilateral, sem diálogo ou sem submeter a ideia aos conselhos superiores da instituição. Para ele, tudo isso é “inusitado e absurdo”. E negou também que o UniVERciência tenha qualquer motivação política.

“Num cenário de negacionismos e de desprestígios à ciência, é óbvio que um programa científico vai falar que é para a população usar máscara, ou que não se deve usar cloroquina no combate à Covid-19. Mas isso é conhecimento científico sendo disseminado”, comentou, destacando em seguida que é o reitor quem se utiliza de interesses políticos, ideológicos e partidários para cercear atividades acadêmico-científicas da universidade.

Fernando Cunha, presidente da Adufpb — Foto: Adufpb/Divulgação

Fernando Cunha, presidente da Adufpb — Foto: Adufpb/Divulgação

Em seguida, ele desabafou:

“Eu não gostaria de estar vivendo esses tempos”, declara Fernando Cunha.

Vice-diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) da UFPB, o professor Marcelo Sitcovsky foi outro que se manifestou, ao dizer que o ato do reitor “envergonha a universidade”. De acordo com ele, o reitor se manifesta contrário à divulgação da pesquisa científica da própria instituição que comanda.

“Ele alega um suposto uso político-partidário da TV Universitária, mas quem faz isso é exatamente ele, ao se manifestar contrário à participação da universidade e da TV UFPB num consórcio regional”, comenta.

Ele disse que vai mobilizar professores para levar a questão à próxima assembleia do Conselho Universitário, que deve acontecer na semana que vem.

Ademais, ele lembrou que o reitor não foi eleito para o cargo, mas que foi nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro mesmo sem ter vencido o processo eleitoral interno, num episódio que segundo ele atenta contra a UFPB. “Esse tipo de atitude não me surpreende. Ele está nesta condição de reitor num completo desrespeito à democracia e à autonomia universitária. Ele parece não ter apreço à ciência e ao que é democrático e plural”.

Por fim, Marcelo diz que o que aconteceu é um episódio inédito para ele. “Em 12 anos de universidade, eu nunca presenciei nenhum reitor ou reitora que fizesse alguma ação que cheirasse à censura. Ele não observou o princípio da impessoalidade. Foi uma ação completamente unilateral”, finalizou.

G1