Além da Covaxin, CPI da Covid quer investigar negociação para compra de vacina chinesa

Integrantes da CPI da Covid querem apurar uma negociação envolvendo a vacina chinesa Convidecia e o Ministério da Saúde. A empresa Belcher Farmacêutica, com sede em Maringá (PR), atuou como representante no Brasil do laboratório CanSino Biologics no Brasil, responsável pelo imunizante.

Senadores avaliam que é necessário aprofundar essa linha de investigação para saber se houve participação do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que foi prefeito de Maringá. Um dos sócios da Belcher é filho de um empresário próximo de Barros.

“Tem essa movimentação para a compra de vacina chinesa com empresa de Maringá com ligações próximas com Barros. Não quero acusá-lo de nada, mas é muita coincidência”, disse neste domingo (27) o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é membro do colegiado. “A CPI vai apurar, sem dúvida nenhuma”, afirmou.

Além disso, senadores citam que empresários aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) têm atuado em favor das negociações para a compra da Convidecia. Entre eles estão Luciano Hang, das lojas Havan, e Carlos Wizard, fundador da rede de ensino de idiomas Wizard.

Em 4 de junho, o Ministério da Saúde assinou uma carta de intenção de compra da vacina da CanSino. A negociação envolvia 60 milhões de doses a um custo de US$ 17 cada uma.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a empresa CanSino não é mais representada pela farmacêutica Belcher e que o acordo não foi fechado.

“A pasta recebeu comunicado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 17/6. Dessa forma, as negociações que estavam em andamento foram canceladas”, disse, em nota.

Procurada neste domingo, a Belcher não respondeu aos contatos feitos pela Folha.
Um pedido para uso emergencial da vacina da CanSino no Brasil foi apresentado pela Belcher à Anvisa no dia 19 de maio. Segundo a agência, no entanto, após verificação inicial, houve pedidos de novos documentos, ainda não entregues, o que travou a análise.

Além disso, a agência diz ter recebido no dia 17 de junho um comunicado da empresa CanSino informando que a Belcher e o Instituto Vital Brazil, que também acompanhava o pedido, não possuem mais autorização para representar a CanSino.

Com isso, a situação do pedido de uso emergencial deve ser reavaliada, aponta.

“O comunicado cita a revogação da autorização concedida à Belcher e destaca que as empresas não possuem autorização para requerer autorização de uso emergencial, registro, autorização de comercialização, bem como atividades de preparação e distribuição da vacina”, informa, em nota.

O órgão diz ter avisado o ministério em seguida. Representantes da pasta dizem que a negociação foi cancelada em 18 de junho. Um novo comunicado da CanSino confirmando que não há mais ligação com a Belcher foi feito à Anvisa neste fim de semana.

Membro da CPI, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a linha de investigação sobre a negociação desta vacina chinesa será debatida nesta segunda-feira (28).

Está marcada uma reunião do grupo majoritário do colegiado, ou seja, dos senadores de oposição e independentes. O assunto deve fazer parte do depoimento de Wizard, previsto para esta semana.

Além disso, a CPI deve aprofundar a investigação sobre as supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin.

“A gente tem dois depoimentos importantes. O do Wizard e o do empresário da Precisa [Medicamentos], [Francisco] Maximiano. Dependendo dos depoimentos, a gente pode ter novas convocações e quebra de sigilo. Dificilmente vamos conseguir terminar a investigação no tempo inicialmente previsto”, disse Costa.

Fabricada pela Bharat Biotech, a vacina Covaxin é negociada no Brasil pela Precisa Medicamentos, empresa que tem no quadro societário a Global Gestão em Saúde S. A.
A Global responde a uma ação de improbidade por contrato de R$ 20 milhões assinado em 2017 com o Ministério da Saúde, para importação de medicamentos para doenças raras. À época, Barros era o chefe da pasta, e produtos não foram entregues.

Em depoimento à CPI nesta sexta-feira (25), o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse que alertou Bolsonaro em março sobre supostas irregularidades na compra da Covaxin.

Miranda também relatou que Bolsonaro teria ligado o Barros ao “rolo” nas negociações para a compra da vacina indiana. Barros negou ter participado da negociação.

A suspeita de irregularidades na compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro foi revelado na Folha no dia 18 de junho, com a divulgação do teor do depoimento de Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde e irmão do deputado Luis Miranda.

O servidor disse em oitiva no Ministério Público Federal que recebeu uma pressão atípica para agilizar a liberação da vacina indiana contra a Covid-19, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.

Nessa linha de investigação, a CPI deve analisar nesta semana uma série de requerimentos para ouvir servidores e empresários relacionados à Covaxin, disse Otto. A lista inclui um convite a Barros.

Serão apreciadas também as convocações de Regina Célia Silva Oliveira, servidora do Ministério da Saúde e fiscal do contrato com a Bharat Biotech, e de Roberto Ferreira Dias, diretor do Departamento de Logística da pasta.

Outros requerimentos sobre o assunto contemplam Danilo Fiorini, ex-diretor financeiro da Precisa Medicamentos e da Global Gestão em Saúde, e Wellyngton Ferreira Gonçalves, empresário sócio de Francisco Maximiano na Global Gestão em Saúde.

Nesta semana, a CPI também vai avaliar a possibilidade de ouvir Andrea Barbosa, ex-mulher de Eduardo Pazuello, que comandou o Ministério da Saúde durante as negociações da Covaxin.

Segundo integrantes da CPI, Andrea entrou em contato e se dispôs a falar sobre a atuação do ex-ministro quando esteve à frente da pasta.

No entanto, antes de aprovar eventual depoimento dela, senadores querem ter uma conversa prévia para avaliar se as informações que ela diz ter estão relacionadas ao escopo da investigação. Há receio nesse caso por causa do término de uma relação pessoal com Pazuello.

A cúpula da CPI discute a prorrogação das atividades. Os trabalhos valem por 90 dias e devem terminar no dia 7 de agosto. Se prorrogada, a comissão irá até novembro.

O colegiado avalia ter assinaturas suficientes no Senado para estender o período. Para isso, é preciso ter o apoio de 27 dos 81 senadores.

Com o depoimento dos irmãos Miranda, a CPI ganhou novo fôlego. O novo flanco da investigação tem potencial de ampliar o desgaste de Bolsonaro, mesmo na avaliação de parlamentares governistas.

Aliados de Bolsonaro, entretanto, dizem que ainda não é o suficiente para se transformar numa denúncia de amplo potencial danoso ao governo. Para isso, é necessário esperar os desdobramentos do caso.

Já a oposição quer usar o momento mais quente da CPI para tentar barras as votações no Congresso até que a denúncia seja investigada.

O depoimento de Miranda, ao citar que Bolsonaro foi avisado de supostas irregularidades e não pediu apuração, também deve sustentar o superpedido de impeachment a ser protocolado nesta quarta (30).

OS TRABALHOS DA CPI

Segunda (28) 

  • Reunião informal entre membros de partidos de oposição e independentes ao governo. Encontro tem o objetivo de discutir os rumos da investigação, por exemplo, em relação à Covaxin e Convidecia.

Terça (29)

  • Sessão da CPI para depoimento do deputado estadual do Amazonas Fausto Vieira dos Santos Junior (PRTB-AM), que foi relator da investigação na Assembleia do Amazonas sobre gastos para enfrentamento da pandemia.

Quarta (30)

  • Sessão da CPI para depoimento do empresário Carlos Wizard. O objetivo é apurar sobre o gabinete paralelo na condução do governo para combater a pandemia.

Sem data 

  • É aguardado o depoimento do empresário Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, que foi adiado na semana passada.

FolhaPress