Mais de 50 mulheres entraram em contato com a Polícia Civil do Rio Grande do Sul para denunciar casos de abuso sexual que teriam sido cometidos por um cirurgião plástico com mais de 90 mil seguidores no Instagram, fotos com influencers e uma clínica em área nobre de Porto Alegre, no bairro Três Figueiras.
Doze delas tinham procurado a polícia há mais tempo. Seus depoimentos embasaram uma investigação por crimes contra a dignidade sexual iniciada cerca de seis meses atrás. Nesta terça-feira (13), em operação desencadeada pela 1ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Porto Alegre, foram cumpridos dois mandados de busca e apreensão em endereços associados ao médico Klaus Wietzke Brodbeck, na capital gaúcha.h
Depois que a operação se tornou pública, outras pessoas procuraram a polícia para relatar supostos abusos. Foram mais de 40 mulheres em apenas dois dias. Até quarta-feira (14), mais de 20 vítimas foram ouvidas, e as oitivas continuariam nesta quinta (15).
“Fui compreender que não era coisa da minha cabeça agora. No mesmo momento que vi a entrevista, chamei a delegada”, diz uma mulher de 34 anos, que colocou próteses de silicone com o médico em 2013. Ela, que prefere não ser identificada, relata toques inapropriados e convites do médico para jantar.
O caso mais antigo que chegou à polícia teria ocorrido em 2001, segundo a delegada titular Jeiselaure Rocha de Souza, responsável pelas investigações. O mais recente é deste ano.
Os relatos vão desde toques, cantadas e ofertas de procedimentos estéticos em troca de favores que ele deixava implícito serem sexuais (que podem configurar crime de importunação sexual ou assédio sexual) até casos de estupro.
“Durante a consulta, ele acaba ultrapassando o limite da boa conduta entre médico e paciente, porque sabemos que é natural que precise tirar a roupa para fazer medições, mas ele ultrapassa.
Os toques são lascivos, ele acaba proferindo cantadas, dizendo que, se elas tiverem relações com ele, ele pode fazer outros procedimentos como bônus”, afirma a delegada.
Um dos casos investigados pela polícia é um suposto estupro de vulnerável, que teria ocorrido quando a paciente estava sedada. O material relacionado ao caso ainda é objeto de investigação.
“Ela foi sedada, ele teria conversado com ela um pouco antes. Quando ela acordou, percebeu que estava sem a calcinha, aquela que o hospital dá, e percebeu uma secreção diferente quando foi ao banheiro. Foi encaminhado para o exame de verificação sexual que foi positivo, inclusive, para a presença de sêmen”, diz a delegada.
Uma ex-funcionária do médico, ainda segundo a delegada, relata que ele andava nu no consultório, que o ouviu em mais de uma ocasião tendo relações com pacientes, que ele pedia ainda que ela comprasse preservativos e que o filmasse. Nas buscas, foram apreendidos aparelhos eletrônicos para apurar a denúncia.
Em seu Instagram com mais de 90 mil seguidores, Klaus Wietzke Brodbeck afirma que é formado no Instituto Ivo Pitanguy, membro da SBPC (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) -ele está listado no site da entidade -e divulga a bioplastia, procedimento estético de injeção de produtos que pode ser feito em consultório.
No perfil “Bioplastia – Dr Klaus Brodbeck”, ao qual ele limitou o acesso depois da operação policial, há fotos ao lado da viúva do MC Kevin, a advogada Deolane Bezerra, que tem 6,7 milhões de seguidores, e da apresentadora e ex-BBB Jaque Khury, com público de 1,3 milhão na rede social.
Khury comentou as denúncias em seu perfil: “Comigo o trabalho ficou ótimo, não tive problemas, porém, quando a polícia chega nesse ponto é porque realmente são acusações muito sérias e muito triste isso”.
Gustavo Nagelstein, advogado que representa Brodbeck, diz que ele nega as acusações, mas que detalhes só serão dados na sexta-feira (16), depois de ele ser ouvido na delegacia. A oitiva do médico deve ocorrer nesta quinta.
A Folha ouviu seis vítimas e a advogada de uma sétima paciente do médico. Uma delas foi atendida em São Paulo. Todas têm relatos semelhantes de toques inapropriados, de se sentirem desconfortáveis com ele e de terem reação de choque.
Algumas registraram ocorrência policial logo em seguida e desistiram dos procedimentos; outras decidiram falar só agora. Com exceção de uma delas, as demais pedem para não serem identificadas. Muitas dizem que passaram a ir acompanhadas às consultas.
A maioria das mulheres ouvidas pela reportagem relata que o médico sugeria preenchimento labial e botava o dedo dentro da boca da paciente para mostrar como ficaria. Ele então fazia movimentos de vaivém com o dedo, repetidas vezes, como se simulasse sexo oral.
“Quando ele tirou os dedos da minha boca, ele me puxou em direção ao colo dele, querendo que eu encostasse nas partes íntimas dele. Eu puxava o braço de volta, recuava e ele puxava para o colo dele”, conta uma paciente que tinha 20 anos na época da consulta.
Uma cliente da advogada Gabriela Souza registrou ocorrência por importunação sexual contra o médico há cerca de dois anos. Segundo ela, ele pediu que a mulher, que queria colocar próteses de silicone nos seios, tirasse toda a roupa e tentou fazê-la sentar-se no seu colo, de frente para ele, só de calcinha.
“No fim da consulta, ele indicou outros procedimentos, ela referiu que não tinha dinheiro, ele sugeriu então que ela pagasse de outra forma. A outra forma ficou muito claro que era sexo”, diz a advogada. O médico pagou danos morais à cliente dela.
Há cerca de um ano, Sabrina Ferreira, 27, modelo, influencer e empresária, criou um grupo no WhatsApp reunindo mulheres que se identificam como vítimas do médico, depois de tornar público seu relato de problemas com uma bioplastia nos glúteos que a deixou com caroço na região.
Ela conta que o grupo tem hoje 45 mulheres. Há relatos de supostos erros em procedimento e importunação ou assédio sexual. Por vergonha, Sabrina só relatou seu episódio de importunação agora. Ela ainda irá registrar o relato na polícia.
“Ele começou a apalpar meu bumbum, falar ‘você é tão linda, estou me apaixonando por você’, um monte de coisas desse tipo. Pediu para eu virar de frente, começou a passar a mão nos meus seios, me assediar, porque não era toque de médico. Passou a mão no biquinho do meu seio, eu fiquei em choque. Não tive reação porque, enquanto ele estava fazendo isso, fiquei pensando em tudo o que eu tinha visto dele. Aquela imagem que eu tinha criado de um médico sensacional, um médico bom, eu estava em choque. Ele me virou, começou a passar a mão na minha bunda de novo, começou a beijar a minha bunda”, conta.
Segundo a delegada Jeiselaure, os supostos erros médicos podem ser alvo de um desdobramento da investigação.
Uma das vítimas, uma mulher de 26 anos, diz que fez bioplastia nos glúteos com o médico em uma clínica de São Paulo, no fim de outubro do ano passado, e tem sequelas dos problemas gerados até hoje. Uma espécie de caroço levantou debaixo da pele.
“No dia do procedimento, o médico passou a mão várias vezes nas minhas coxas, perguntando quanto tempo eu treinava, se tomava anabolizante e ‘mostrando’ para as secretárias. Após a aplicação, ele perguntou se eu tinha prótese de silicone. Eu falei que sim, e ele pediu pra levantar a blusa pra ver se estava tudo certo, colocou a mão e ficou apertando”, diz ela.
O médico é alvo de procedimentos administrativos no Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul). Em 2008, segundo a entidade, ele já tinha recebido pena disciplinar de censura pública.
Segundo o vice-presidente da entidade, Eduardo Neubarth Trindade, se comprovadas as acusações, Brodbeck pode ser cassado de forma definitiva e proibido de trabalhar em todo o território nacional.
FolhaPress