Pela primeira vez em oito meses, o Brasil vê os casos de Covid-19 desacelerarem de forma constante. O país estava em estágio estável ou acelerado desde novembro do ano passado, mas esse quadro se reverteu com o avanço da vacinação.
A conclusão vem do monitor da aceleração da Covid, da Folha. A plataforma mede a variação de novos infectados nos últimos 30 dias, a partir de um modelo estatístico desenvolvido pelos pesquisadores Renato Vicente e Rodrigo Veiga, da USP.
O modelo compara as médias móveis de sete dias nesse período nos municípios com mais de 100 mil habitantes, dando mais peso aos dados mais recentes. Em cada local, a pandemia é classificada como “inicial”, “acelerada”, “estável”, “desacelerada” ou “reduzida”.
Desde 7 de abril, o país estava no patamar estável, quando ainda há um número significativo de pessoas sendo infectadas, mas a quantidade de novos casos diários não muda ou não cresce fortemente. Na última quinta-feira (15), porém, entrou no estágio desacelerado, o que significa que as infecções estão em queda constante.
“Com certeza a redução tem relação com a vacinação, porque bate com as faixas etárias que foram sendo imunizadas”, diz Paulo Lotufo, que dirige o centro de pesquisa clínica e epidemiológica da USP.
A diminuição de casos ocorre mesmo com o aumento da circulação de pessoas pelo país. Atualmente, o fluxo já está quase igual ao período anterior à pandemia, segundo dados do Google que consideram a movimentação no comércio e no lazer.
No pico de infecções, em 22 de junho deste ano, o Brasil registrou uma média móvel de 79 mil novos casos diários. Na quinta, quando entrou no patamar desacelerado, o número estava em 42 mil. O mesmo ocorreu com as mortes, que baixaram de 3.112 no auge, em 11 de abril, para 1.243 na quinta (15).
Nas últimas semanas, os estados que saíram de estável para desacelerado foram Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Tocantins e o Distrito Federal, contribuindo para a melhoria da classificação nacional.
Estado mais populoso do país, São Paulo ainda está estável, mas tem registrado queda de casos nos últimos dias e caminha para entrar no estágio desacelerado. Nenhuma unidade da Federação tem a pandemia em nível acelerado.
“Desde o início, as vacinas foram feitas para diminuir mortes e internações. Agora estamos vendo que elas têm impacto até na transmissão”, afirma Lotufo, lembrando os resultados do estudo do Instituto Butantan feito em Serrana, no interior de SP, divulgados em maio.
A imunização de quase todos os adultos com as duas doses da Coronavac fez os casos sintomáticos despencarem 80% na cidade. Houve redução inclusive nas infecções de crianças e adolescentes, não vacinados, enquanto cidades vizinhas, como Ribeirão Preto, registravam alta.
Fora do Brasil, pesquisas apontam no mesmo sentido. No mês passado, um levantamento publicado na revista científica Nature indicou queda de mais de 60% na transmissão após a primeira dose e 80% após a segunda dose entre 385 mil moradores do Reino Unido que tomaram vacinas da AstraZeneca e da Pfizer.
Em outro estudo, uma agência do governo britânico estimou que a imunização evitou ao menos 8 milhões de infecções naquele país, que tem 65 milhões de habitantes. A vacina, porém, não garante que a pessoa não se infecte ou transmita a doença, e por isso é preciso continuar usando máscara e praticando o distanciamento social.
O que ainda não está claro é o impacto da variante delta, que inicialmente foi detectada na Índia e já começa a circular no Brasil. Além dela, há a preocupação com o possível surgimento de outras variantes, como ocorreu com a cepa identificada em Manaus no início deste ano.
“O medo agora são as variantes e essa sensação de que já passou. Os números estão diminuindo, mas ainda estamos num nível pior que em 2020. Se as pessoas relaxarem e gestores incentivarem eventos para mostrar que está superado, podem aumentar de novo”, diz o epidemiologista Diego Xavier, da Fiocruz.
Nos Estados Unidos, que já têm 59% da população adulta totalmente vacinada, o número de novos casos mais que dobrou nos últimos 14 dias –as mortes tiveram crescimento mais tímido, de 9%. A variante delta caminha para ser predominante por lá e tem atingido principalmente pessoas ainda não imunizadas.
Segundo Xavier, espera-se que algo semelhante ocorra por aqui. “Já se vê a diferença nas curvas de locais que não aderiram à vacina nos EUA, com surtos localizados. Estamos torcendo para que no Brasil aconteça o mesmo, com mais casos apenas de forma localizada em cidades que tenham pouca cobertura de segunda dose, por exemplo”, afirma.
A vacinação no Brasil começou há seis meses e só havia atingido 26% da população adulta um mês antes do pico de casos, considerando os vacinados com apenas uma dose ou dose única. A porcentagem dobrou para 56% nesta semana.
“Não podemos perder de novo essa oportunidade de olhar para os países mais vacinados e tomar as providências antes de as coisas piorarem, como fizemos a pandemia toda”, alerta o pesquisador.