Considerada modelo de uma educação humanista e diversificada, a Escola de Aplicação da USP sofre com falta de professores e esvaziamento de projetos educacionais. Alunos do ensino fundamental, por exemplo, ficaram meses sem aulas de ciências neste primeiro semestre.
A situação é reflexo da realidade financeira da universidade, que bloqueou contratações a partir de 2014 e realizou dois planos de incentivo a demissões voluntárias. Desde lá, os gastos com salários na universidade superam os repasses do Estado.
Segundo relatos de professores e pais de alunos, faltam 12 docentes. Áreas de física, química e biologia têm sido as mais atingidas.
As disciplinas de matemática, geografia e história foram atribuídas a outros professores da escola. Os cargos de professor de educação especial e de orientador pedagógico estão vagos. As séries mais afetadas são a 6ª e 7ª.
A Escola de Aplicação fica na Cidade Universitária, zona oeste da cidade, e está ligada administrativamente à Faculdade de Educação. A unidade tem cerca de 700 alunos, da 1ª série do ensino fundamental ao 3º ano do médio.
Segundo a arquiteta Simone Nakamoto, 39, os problemas têm se arrastado desde 2015, mas a filha, do 6º ano, ficou sem aulas de ciências quase todo o semestre. “A equipe é boa, o projeto é bom, mas a escola está sem as condições para manter esse trabalho”, diz ela, que aponta a situação atual como a mais grave desde que a filha entrou na escola, há seis anos.
“Os alunos ficam no pátio quando não há professor. Nem que eu quisesse poderia tirá-la da escola, porque sem essas aulas ela seria reprovada em outra escola”, diz ela.
A direção da faculdade garante que todas as atividades serão repostas. A unidade tem 36 docentes ativos.
O projeto pedagógico, segundo a diretora Belmira Bueno, não corre risco. “A escola faz parte não só da Faculdade, mas também da universidade. Por isso, sofre também as consequência dos constrangimentos financeiros”.
PROJETOS
A redução do número de profissionais e o aumento da carga horária dos professores que permanecem, porém, já provocaram a interrupção de projetos pedagógicos –considerados primordiais para o desenvolvimento integral dos alunos. Iniciativas como Estudos do Meio (com passeios de cunho pedagógico), projetos Negritude, de Gênero e Sexualidade, por exemplo, tiveram de ser abandonados.
Reuniões de integração das diferentes etapas de ensino não têm ocorrido da mesma forma. “Temos que discutir agora a adequação da proposta pedagógica à realidade”, diz um dos docentes, que preferiu não se identificar por temer represálias.
Nakamoto e outros familiares têm se organizado por meio da Associação de Pais e Mestres para cobrar a administração e pensar em soluções. Segundo Marcelo Gonçalves, 51, funcionário da USP, a filha teve menos de um mês de aulas de ciências neste ano. Ela está no 6º ano.
Os professores da escola não são considerados docentes para a universidade. Eles têm regime de contratação similar aos técnico-administrativos. Por causa disso, os profissionais tiveram que se adaptar ao sistema de ponto eletrônico de presença.”A ausência de professores é gravíssima. Mas em função da quantidade de professores, o projeto tem sido inviabilizado”, diz. “A gente acredita na escola, mas uma hora vou ter que decidir se procuro outra”, completa.
Para Lisete Arelaro, ex-diretora da Faculdade de Educação da USP, o procedimento não dialoga com as necessidades da escola.
“Por conta do ponto, o projeto tem sido comprometido, a escola tem outra dinâmica, com 200 dias letivos de aula”, diz. Segundo Lisete, uma proposta de estatuto para professores da educação básica já foi encaminhada para a reitoria, mas não foi adiante.
O ponto tem dificultado as reuniões pedagógicas porque os profissionais não podem ultrapassar a jornada de trabalho de oito horas diárias.
“A escola é uma referência, uma das melhores do Estado. Temos perto de 200 alunos que estagiam na unidade. É um equívoco deixá-la no ponto que está.”
No último Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), de 2015, a escola teve o maior índice (de 6,6) entre as escolas públicas da capital paulista no 9º ano.
CONTRATAÇÃO
Como forma de amenizar a perda de 12 professores desde 2015 na Escola de Aplicação da USP, quatro docentes serão admitidos de forma temporária. A Faculdade de Educação nega que a situação atual seja “calamitosa”.
Segundo a diretora da faculdade, Belmira Bueno, a aprovação das contratações por parte da reitoria atende às necessidades urgentes.
Com os novos docentes, a equipe será composta de 40 profissionais, o que, segundo ela, seria suficiente.
“O que havia [de docentes na escola] era bastante acima do necessário”, diz. “Não temos nenhum professor com mais de 25 aulas por semana, e todos são contratados por 40 horas. Assim, a condição de trabalho é a melhor que existe no Brasil em termos de escola pública”, diz.
Apesar de afirmar que “não existe uma situação calamitosa”, a diretora não nega os reflexos da crise financeira da universidade. O cenário se agravou porque, desde 2014, as contratações na USP foram congeladas e aposentadorias não foram repostas. Além disso, a unidade perdeu professores nos recentes planos de demissão voluntária.
Desde o ano passado, a escola tem lançado mão de empréstimos de docentes de outras unidades e até de voluntários. Bueno reforça que o projeto pedagógico não sofrerá impactos por causa da crise. “O projeto não vai desaparecer, isso é fantasia, as pessoas fazem conjecturas.”
A escola destina 60 vagas por ano, por sorteio. A maioria é para filhos de funcionários, mas ao menos 20 vagas são direcionadas a quem não tem vínculo com a USP. Para essas vagas, houve 360 inscritos neste ano.
A gestão do reitor Marco Antonio Zago não respondeu aos questionamentos da Folha. “O posicionamento da Faculdade é o da reitoria”, informou.
CARIRI EM AÇÃO
Com Folha de SP/Foto:Eduardo Knapp/Folhapress
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