Investimento em startups no Brasil mais que dobra em 2021 e passa de US$ 9,4 bilhões

Os investimentos em startups no Brasil em 2021 mais uma vez quebraram recordes. Foram US$ 9,4 bilhões (cerca de R$ 16,7 bilhões) injetados no mercado de inovação brasileiro, quase 2,6 vezes o que foi captado pelas empresas desse segmento em 2020, US$ 3,5 bilhões.

Os dados, obtidos pelo jornal Folha de S.Paulo, são da Distrito, plataforma de inovação que monitora o setor.

As cifras bilionárias consolidam o que vem sendo regra no mercado de startups brasileiro nos últimos dez anos: desde 2011, o único momento de queda de investimentos foi 2016, ano de crise econômica aguda em meio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

No ano passado, uma conjuntura de fatores levou o ecossistema de inovação a esse bom momento.

No Brasil, o investidor olhava para a Bolsa de Valores e via números vermelhos por semanas a fio: a queda foi de quase 12% no acumulado do ano. Já títulos de renda fixa, em muitos casos, deram pouco retorno – rebarba da política de estímulos do Banco Central à economia durante a pandemia, quando a instituição congelou a taxa Selic em 2% durante sete meses.

Decisão parecida do Fed (banco central dos EUA) também fez os investidores americanos procurarem a economia real. Em um mercado saturado, que já é baseado em empresas de tecnologia, muitos deles colocaram seu dinheiro em países do sul global, como o Brasil – que, com o dólar acima dos R$ 5, era barato.

Em todos os lugares, a demanda por tecnologia cresceu. Reuniões passaram a demandar aplicativos de videoconferência, idas a restaurantes transformaram-se em deliveries e consultas médicas começaram a ser feitas, quando possível, usando a telemedicina. A expectativa para os investidores de tecnologia era que a mudança de comportamento impulsionada pelo distanciamento social se convertesse em lucro.

Foi esse o resultado visto: empreendedores abrindo capital em Bolsas de Valores, vendo muito dinheiro entrar em seus negócios e protagonizando mega rodadas de investimento. Prova disso é o rebanho de unicórnios que nasceu no Brasil. Foram dez empresas de tecnologia que passaram do US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões) em valor de mercado durante 2021, o que normalmente acontece em captações que movimentam alguns milhões de dólares.

Unicórnio de mais idade, o Nubank foi a estrela do ano entre as fintechs brasileiras.

Avaliado em US$ 41,5 bilhões (R$ 233,8 bilhões), o banco digital estreou na Bolsa de Valores de Nova York no início de dezembro. Assim como outros IPOs, o feito é uma vitrine para o Brasil e acaba sendo um imã para investimentos.

Desde o fim do ano passado, porém, o cenário vem mudando. Ainda que o mercado continue crescendo, conforme especialistas indicam, o frenesi pode ter prazo para acabar.

A liquidez vista pelas medidas de estímulo gera discussões sobre uma bolha financeira.

O próprio Nubank teve que cortar US$ 10 bilhões da sua oferta inicial em meio a uma queda nas ações de fintechs ao redor do mundo.

“Existe um ciclo agora que não é o que a gente viveu no ano passado”, afirma o cofundador da Distrito Gustavo Araujo.

Ele percebeu os ventos começarem a mudar no final do ano passado. “Conforme a gente começou a se aproximar de uma instabilidade global maior, os investidores ficaram um pouco mais racionais e subiram um pouco mais a barra”, afirma, em referência à nova onda de contaminações causadas pela variante ômicron que gerou cancelamentos de voos e restrições de deslocamento.

Nessa mesma época, o Fed anunciou que começaria a reduzir gradualmente seu programa de compra de títulos – medida que segue na mesma linha do Banco Central do Brasil que, em março do ano passado, se despediu da taxa em mínima histórica e passou a elevar os juros.

“Não tem como continuar crescendo tanto”, diz Araujo. “Em algum momento, os investidores que percorreram toda essa jornada e multiplicaram o capital por dois anos, desde o início da pandemia, precisam realizar lucro e tirar o dinheiro.”

A tendência é que o capital seja realocado ainda em mercado de tecnologia, mas em empresas mais seguras do que startups – como as de energia, por exemplo, que em muitos casos contam com concessões de 30 anos. Em geral, o retorno é menor, mas é certo.

“É natural que você balanceie o seu portfólio buscando empresas mais estáveis. São empresas que vão crescer e te dar um retorno enorme? Não. Mas são empresas que não correm o risco de perder tanto valor”, afirma o empresário.

Rodadas maduras, como B, C e D, também devem rarear. Dependentes de cheques maiores, elas sentem mais os abalos da economia.

Apesar da conjuntura econômica “muito complicada”, conforme defende Araujo, o cenário de investimento no Brasil não será um deserto. Tudo indica que a digitalização impelida pela pandemia veio para ficar e esse mercado não vai diminuir. As startups que forem capazes de dar lucro, por sua vez, serão premiadas.

Outro número que não deve desacelerar neste ano é o de fusões e aquisições. Esse tipo de negócio deu um salto no ano passado.

“Essa mentalidade de ir buscar fora aquilo que você não tem e te falta foi instalada durante o ano de 2020, mas acelerou muito em 2021”, afirma Araujo. “Em 2022 a gente não acredita que vá desacelerar, até porque qualquer desconto em valor de mercado de empresas de tecnologia significa que bons ativos poderão ser comprados por preços mais baratos.”

De modo geral, startups sofrem menos com crises econômicas porque é mais difícil especular: são investimentos com retornos de longo prazo.

“Quem colocou dinheiro em 2021 não está pensando em retorno do capital em 2022 nem em 2023, mas em 2031”, diz Araujo, lembrando que os ciclos são normalmente de 8 a 12 anos. “Em capital aberto você compra o rumor e vende a notícia.”

“Quando você investe em uma startup, diferente de uma ação, você não tem liquidez, então não consegue vender a sua participação no dia seguinte. Você está preso naquele ativo até ele performar”, afirma.

Tremores do mercado financeiro podem chegar ao setor de inovação como uma marola, mas as startups não estão isentas de eventuais impactos, ainda mais com eleições à vista.

“Sempre é um ano de maior instabilidade, volatilidade. Até que se tenha uma definição de quem pode ganhar ou quem vai concorrer, o ano é instável”, diz Araujo. “E investidor não gosta de instabilidade, então ele vai embora.”

Em resumo, afirma o empreendedor, “o mercado de tecnologia corre numa raia paralela, mas é a mesma piscina. Se a piscina seca, seca para todo mundo.”

FolhaPress