TSE estuda banir Telegram do Brasil para combater ‘fake news’ nas eleições

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estuda entrar em ação para proibir o funcionamento no Brasil do aplicativo de mensagens Telegram, como parte das ações de combate às notícias falsas durante as eleições. Desde 2018, a Corte tenta notificar os responsáveis pela empresa, sem sucesso. Internamente, magistrados da Justiça Eleitoral consideram que o Congresso deveria agir para aperfeiçoar a legislação sobre o tema.

Diferentemente de seu concorrente, o WhatsApp, o Telegram permite grupos de até 200 mil pessoas, além de canais sem limite de usuários — em ambos os casos, terrenos férteis para a disseminação de conteúdos falsos. Ao optar pelo eventual banimento, o TSE pode determinar a remoção do programa das lojas de aplicativo, como Apple Store ou Google Store, fazendo com que as pessoas não consigam mais fazer o download do recurso. Numa medida mais drástica, poderia recorrer a um dispositivo de segurança de rede que autoriza ou bloqueia o tráfego, o que interromperia o funcionamento do aplicativo. A possibilidade é prevista no Marco Civil da Internet.

Reservadamente, interlocutores do TSE ouvidos pelo GLOBO afirmam que cabe ao Congresso aperfeiçoar a legislação de modo a coibir situações como essa. Ainda assim, no entanto, não está descartada a hipótese de que o aplicativo seja banido por ação do próprio TSE, que neste momento avalia os cenários possíveis.

Em nota encaminhada ao GLOBO, a presidência do TSE, que tem hoje à frente o ministro Luís Roberto Barroso, diz entender que “nenhum ator relevante no processo eleitoral de 2022 pode operar no Brasil sem representação jurídica adequada, responsável pelo cumprimento da legislação nacional e das decisões judiciais”. Segundo a Corte, na volta do recesso, o ministro irá discutir internamente com os ministros as providências possíveis.

“O TSE já celebrou parcerias com quase todas as principais plataformas tecnológicas e não é desejável que haja exceções. O ministro Barroso e seus sucessores, ministros Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes, estão empenhados em promover eleições livres, limpas e seguras, e este deve ser um compromisso de todos os que participam do processo democrático brasileiro”, afirmou ainda a Corte. Fachin assume a presidência do TSE no próximo dia 28 de fevereiro e passará o comando para Moraes em agosto, quando passa a ser o responsável pelas eleições.

A tentativa mais recente de contato do TSE com o Telegram ocorreu em 16 de dezembro do ano passado, quando o tribunal encaminhou um ofício ao diretor executivo do aplicativo de mensagens, Pavel Durov, solicitando uma reunião para discutir possíveis formas de cooperação sobre o combate à disseminação de fake news. O e-mail jamais foi respondido.

Na carta, Barroso ressaltou que o Telegram é um aplicativo de mensagens de rápido crescimento no Brasil, estando presente em 53% de todos smartphones ativos disponíveis no país, e que “é por meio do Telegram que muitas teorias da conspiração e informações falsas sobre o sistema eleitoral estão sendo disseminadas sem qualquer controle”.

Já a tentativa de mandar o documento físico não se concretizou, pois ninguém foi localizado no suposto endereço da empresa, nos Emirados Árabes. Os registros dos Correios mostram que houve quatro tentativas de entrega, todas frustradas. Os motivos foram ‘empresa sem expediente’ e ‘carteiro não atendido’”.

Embora vista como possível por uma ala no comando do TSE, uma eventual saída pelo banimento não é unanimidade na Corte. De acordo com relatos feitos ao GLOBO, auxiliares responsáveis por questões técnicas no gabinete de ministros entendem que, como o Telegram não é provedor de internet, mas um aplicativo de mensagens, não caberia a exigência de domicílio jurídico nacional.

“Terra de ninguém”

Em novembro, o GLOBO mostrou que o TSE lançou mão de uma parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o intuito de desenvolver uma ferramenta para monitorar o Telegram. O mecanismo capaz de vigiar e explorar dados de grupos e canais públicos de cunho político, segundo interlocutores da Corte, ainda está em fase de teste.

O Telegram foi criado em 2013, na Rússia, pelos irmãos Nikolai e Pavel Durov, e conta hoje em dia mais de 500 milhões de usuários e forte presença em diversos países do mundo, como antigas repúblicas soviéticas.  Como o GLOBO mostrou, a plataforma abriga grupos que negociam venda de armas e distribuição de pornografia infantil e vídeos de tortura e execuções.

Atualmente, tornou-se um dos principais veículos de comunicação do presidente Jair Bolsonaro (PL), que conta com 1.023.927 inscritos em seu canal, criado em janeiro de 2021 após o banimento do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump do Twitter. Na plataforma, Bolsonaro dissemina vídeos, pronunciamentos e andamento de propostas em todas as esferas do governo.

A título de comparação, o número de inscritos no canal de Lula (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto para o ano que vem, chega a 47.100. Ciro Gomes (PDT) conta com 19 mil usuários.

— A questão é que ter um espaço assim, com a potência e abrangência que tem, faz com que haja um perigo muito grande de escoar para essa aplicação tudo aquilo que poderia danificar a democracia brasileira e que seria barrado nos outros aplicativos ou plataformas que estão em conformidade com as regras — aponta o professor de Direito Eleitoral Digital da Universidade Mackenzie Diogo Rais.

Para ele, a dificuldade é que as instituições não conseguem penetrar no Telegram e, com isso, todos os outros aplicativos e plataformas, como WhatsApp ou YouTube, acabam se tornando vítimas desse mesmo processo. Rais afirma que o banimento é uma medida drástica, e pondera que, caso ocorra, pode abrir um precedente perigoso em termos de liberdade de expressão. Ainda assim, considera que esse possa ser um caminho a ser tomado.

— Basta vermos o que aconteceu com o aplicativo Parler, que vinha sendo usado por setores da extrema-direita pela falta de regulamentação. Nos Estados Unidos, houve uma série de decisões judiciais que exigiram a retirada do aplicativo das plataformas, de forma que novos usuários não mais conseguiram baixá-lo. É uma maneira de diminuir o impacto — explica o professor, que estuda os movimentos digitais nas eleições desde 2010.

O Globo