Abandonar bebês é caso de polícia e de saúde pública; especialistas alertam

A maternidade é uma fase esperada e bastante desejada por grande parte das mulheres. Mas é também um universo desconhecido e encarado com temor por tantas outras. Neste último caso a reação da nova mãe com a maternidade pode chegar a diversos níveis de complicação que podem levá-las, em situações mais críticas, a abandonar o seu bebê após o nascimento. Tal realidade, no país, não chega a ser incomum. 

Em julho deste ano, um recém-nascido foi abandonado no município de Monteiro, Agreste paraibano, a 310 quilômetros de João Pessoa. A criança foi encontrada sem roupas, com início de hipoglicemia por não ter se alimentado após nascer e precisou ser socorrida pelo Samu. Outro caso que ficou conhecido aconteceu em João Pessoa, em 2015, quando um bebê morreu asfixiado após ter sido deixado em um tambor de lixo, no bairro José Américo.

O abandono de bebês é mais um daqueles temas que, além de tratado como caso de polícia, precisa ser discutido como caso de saúde pública. A maternidade é uma fase da vida da mulher que necessita de acompanhamento de profissionais da medicina, como médicos especialistas, e também de psicólogos. De acordo com a psicóloga Raphaela Abrantes, tais auxílios podem fazer toda diferença na relação entre a mãe e o bebê.

“O acompanhamento psicológico a essas mães durante a gestação pode fazer total diferença em suas percepções sobre a maternidade. Desconstruindo crenças negativas sobre elas mesmas, sobre sua capacidade de ser mãe. Esse é um tema complexo e pode ser explorado diante de várias facetas. Mas o mais importante é lembrar que pessoas feridas, ferem. E que buscar suporte profissional é essencial para saúde mental, física e energética”, analisou.

Rejeição e abandono 

A depressão pós-parto é uma das patologias mais conhecidas que acometem mulheres após darem à luz. Ela se dá por fatores biológicos, psicológicos e sociais, decorrentes de uma nova realidade que surge para a mulher, que passa a ter sob sua responsabilidade um novo ser. Segundo a psicóloga e professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Deborah Cabral, a doença não necessariamente vai resultar em abandono.

“A depressão pós-parto caracteriza-se por um transtorno psicoafetivo, em que a mãe rejeita o bebê em razão de o seu estado biopsicossocial estar afetado com a nova realidade de ser mãe e suas novas exigências. E que não necessariamente está relacionada com o desejo ou não pela maternidade. Mesmo porque a depressão pós-parto pode se manifestar em uma gestação e na outra não”, explicou.

A rejeição, no entanto, é a semente de eventuais atitudes drásticas tomadas pelas mães que sofrem ou não com depressão pós-parto. É impossível dissociar, ainda, a relação intrínseca que os espaços sociais vulneráveis e pobres, tão comuns da realidade brasileira, constituem com a maternidade. Esse conjunto de fatores explica muito dos problemas que as mães enfrentam durante a gestação e após o nascimento da criança. De acordo com Raphaela várias são as motivações para que uma mulher chegue a pensar na hipótese trágica do abandono.

“Há pesquisas que indicam que é no contexto de pobreza do Brasil que se encontra a maioria dos casos de abandono. Uma pessoa que viveu sem conhecer o que é o amor familiar muito provavelmente não vai poder dar o que não teve, porque não o conhece. O desafeto vira um ciclo de geração para geração. Mães com histórias de abandono e negligência em suas vidas compõem o grupo que conduz tal característica às suas experiências maternas. Trata-se de um ciclo vicioso, em que o drama do abandono se reproduz, ou seja, o abandonado abandona.”, disse a psicóloga.

Homem também faz parte do problema

Na discussão sobre o abandono de bebês, dificilmente se coloca em pauta o papel do homem nesta tragédia social. Se o pai, normalmente, não usa as mãos para abandonar o bebê e traçar o destino final de uma criança enquanto seu filho, ele muitas vezes é o responsável por construir essa estrada obscura para a criança.

Uma das principais causas para a mãe se decidir por realizar um abandono é o companheiro. Às vezes presente, influenciando, pressionando e até contribuindo fisicamente com o abandono, às vezes ausente, não assumindo o filho e concretizando o primeiro abandono da relação do potencial núcleo familiar.

“O histórico familiar e a crença de que não serão capazes de criar seus filhos fazem com que mães entendam que ficar com a criança pode pôr em risco o desenvolvimento da própria criança Além da estrutura familiar, a ausência do genitor, seja física ou afetiva, também são estimulantes para essa motivação”, argumentou Raphaela.

Papel do conselho tutelar

Quando um bebê é encontrado, a polícia e o Conselho Tutelar normalmente são acionados. Responsável por zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes, o Conselho passa a ter sob sua tutela as crianças abandonadas. Segundo a conselheira tutelar da João Pessoa, Carmen Lúcia Meireles, os primeiros procedimentos são comunicar à Vara da Infância e Juventude para estudo do caso e levar o bebê para uma avaliação médica.

“Imediatamente comunicamos ao juiz da Infância, tentamos localizar a família ou providenciamos a colocação da criança em uma instituição de acolhimento. Na Vara da Infância contamos com o Projeto Acolher que avalia o caso e essa criança pode ir para adoção ou ficar com os parentes mais próximos, após as análises”, explicou a conselheira.

Abandono é crime

Abandono de incapaz é posto no código penal brasileiro no capítulo da periclitação da vida e da saúde, no artigo 133, que diz que é crime “Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”. A sanção é detenção de 6 meses a 3 anos. Se o abandono resultar em lesão corporal de natureza grave ao bebê a pena passa a ser reclusão, de 1 a 5 anos. Se resulta em morte, a pena de reclusão é de 4 a 12 anos.

CARIRI EM AÇÃO

Com Portal Correio /Foto:Reprodução/ABr/Ilustração

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