O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, avalia trocar cargos entre os seus auxiliares para afastar Hélio Angotti, médico defensor do kit Covid, do comando da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos.
Entre outras funções, a pasta lida com a aprovação de diretrizes e protocolos do SUS. A mudança seria uma forma de retirar Angotti do debate sobre o tratamento da Covid-19 na rede pública.
Em janeiro, o secretário rejeitou diretrizes sobre a Covid que contraindicavam o uso de medicamentos sem eficácia contra a doença, como a hidroxicloroquina.
O secretário também liderou algumas das investidas do governo Jair Bolsonaro (PL) para disseminar o kit Covid no SUS, como a ideia de inserir os medicamentos no programa Farmácia Popular.
O plano de Queiroga é que o médico passe a ocupar a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, pasta hoje comandada pela médica Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”.
Ela deve deixar o cargo na Saúde nas próximas semanas e ocupar uma função no Ministério do Trabalho, onde é médica perita concursada.
Mayra planeja se afastar definitivamente do governo até abril para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PL, partido de Bolsonaro.
As orientações de tratamento do novo coronavírus negadas por Angotti haviam sido elaboradas por especialistas e aprovadas na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS).
Para justificar a decisão, o secretário ainda assinou nota defendendo a hidroxicloroquina e afirmando que vacinas não funcionam.
Auxiliares de Queiroga afirmam que a defesa ferrenha de Angotti ao kit Covid se tornou uma dor de cabeça ao ministro. A Comissão de Direitos Humanos do Senado convocou Queiroga e Angotti para que expliquem a rejeição das diretrizes.
Angotti ainda irá avaliar recurso que questiona o veto às orientações. Se a decisão for mantida, o ministro Queiroga será acionado para se manifestar sobre o tema.
A tendência é que o ministro suspenda a decisão de Angotti e tente postergar uma manifestação final sobre as diretrizes, dizem auxiliares de Queiroga. Isso porque ele não terá prazo para a resposta.
Queiroga disse a colegas que o médico Sérgio Okane, atual chefe da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, deve passar a ocupar a secretaria de Angotti. Trata-se de nome de confiança do ministro.
Já o órgão de Okane ficaria sob comando de um técnico de dentro da própria secretaria.
Além de avaliar tratamentos do SUS, a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos é vista como estratégica no governo por lidar com o complexo industrial da saúde, coordenar parcerias entre laboratórios públicos e privados, entre outras funções.
As diretrizes sobre a Covid-19 vetadas por Angotti não teriam poder de proibir médicos de utilizarem medicamentos sem eficácia, mas representariam uma mancha às bandeiras negacionistas de Bolsonaro.
Isso porque o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, passaria a reconhecer as orientações contrárias ao chamado tratamento precoce.
Queiroga já fez tentativas anteriores de afastar Angotti da cúpula da Saúde.
Em janeiro, o ministrou apoiou discussões no governo sobre a indicação do secretário a uma vaga de diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas a ideia esbarrou na resistência do Congresso ao médico bolsonarista.
Queiroga não concordou com a condução do debate sobre o tratamento da Covid-19 no SUS feita por Angotti, segundo aliados do ministro.
No começo de sua gestão, o ministro indicou o médico e professor da USP Carlos Carvalho, contrário aos fármacos ineficazes, para organizar grupo que iria elaborar os pareceres.
Porém, Angotti apontou possíveis conflitos de interesse neste grupo e pediu para a Comissão de Ética da Pública da Presidência investigar o parecer que contraindica o kit Covid.
Mesmo sem aval de Queiroga, o secretário ainda tenta exonerar a servidora Vania Canuto do comando da Conitec, pois ela votou a favor das diretrizes elaboradas por especialistas.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, Angotti sugere a nomeação ao cargo do biólogo Regis Bruni Andriolo, um defensor do kit Covid.
Queiroga, porém, modulou o discurso e tem investido na pauta bolsonarista para se agarrar ao cargo.
Ainda que contrariado por decisões de Angotti, o ministro tem feito elogios ao secretário, afirmando que ele participou de debates como da transferência de tecnologia para produção da vacina da AstraZeneca na Fiocruz.
Angotti tem boa relação com auxiliares do presidente e com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Ambos participaram de viagem do governo à Israel, em 2021, para conhecer um spray nasa l anti-Covid. O secretário também esteve em transmissões nas redes sociais ao lado do presidente Bolsonaro.
FolhaPress