Enquanto ainda se discute a liberação do garimpo em terras indígenas, que viria pela aprovação do Projeto de Lei 191, o artigo constitucional que veta a atividade nas áreas protegidas é descumprido. Em um cruzamento de dados da Agência Nacional de Mineração e do projeto Amazônia Minada, do InfoAmazônia, a reportagem identificou 50 requerimentos para exploração mineral autorizados pela ANM em territórios, em tese, proibidos. Destes, há 29 títulos ainda válidos para lavra garimpeira, dos quais 19 seriam em Unidades de Conservação e dez em terras indígenas. Das autorizações válidas, a maioria (20) foi concedida no governo Bolsonaro.
Tema do projeto apresentado pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que tramita em regime de urgência na Câmara, a autorização de mineração em terras indígenas divide opiniões. Os defensores acenam com a possibilidade de uma regulamentação necessária para atividades que já são praticadas há anos, apontando para modelos bem-sucedidos de exploração econômica em reservas em outros países. Críticos alertam, no entanto, para os riscos de danos ambientais e sociais que poderiam impactar povos vulneráveis, como os indígenas. Uma preocupação que aumenta com a aceleração do processo de votação proposto pelo governo, feito sem consultas prévias à sociedade. Em nota técnica enviada na quarta-feira ao Congresso, a Defensoria Pública da União recomendou aos deputados federais que rejeitassem o PL.
Enquanto isso, o garimpo ilegal e sem regras avança. O projeto Amazônia Minada realiza uma filtragem de requerimentos de exploração feitos à ANM para áreas de terra indígena ou de unidades de conservação. Foi possível encontrar 50 processos listadas como fase de “lavra garimpeira”, que é autorização para o garimpo. No portal da ANM, a reportagem localizou os requerimentos autorizados, dos quais 21 já possuíam títulos vencidos. O ano com maior número de autorizações (16) foi 2020. Houve também número expressivo (15) de títulos outorgados em 2015, além de renovações de títulos antigos em anos recentes.
Dos 29 títulos de garimpo ainda válidos, 24 são no Pará e cinco em Rondônia. Entre as substâncias autorizadas para serem exploradas, estão minério de ouro (21) e para cassiterita (8), utilizada na indústria. Seis títulos incidem sobre terras dos Kayapós, uma das etnias indígenas — ao lado dos Ianomâmis e dos Mundurukus — mais afetadas pelo garimpo ilegal. Há também três autorizações dentro do território Sawre Muybu, o que compromete o leito do Rio Tapajós.
Líderes Kayapós, que pediram para falar sob anonimato, destacam que, de agosto de 2015 a julho de 2021, o garimpo ilegal desmatou mais de 9 mil hectares no interior de sua terra indígena, sendo 5.500 hectares apenas nos últimos três anos. As consequências negativas do garimpo ilegal incluem o despejo de mercúrio nos rios, o que causa danos à saúde dos indígenas e de populações ribeirinhas, e o crescimento do número de conflitos. Em maio do ano passado, uma disputa por terra causou a morte de liderança Kayapó.
A região mais pressionada fica ao longo da divisa Nordeste e Sudeste da terra.
“As empresas e cooperativas de garimpeiros usam a falsa bandeira da garimpagem artesanal para justificar a exploração ilegal, com a narrativa de que o garimpo é uma atividade familiar e de pequena escala. Mas o que de fato ocorre é uma atividade em escala industrial que faz uso de equipamentos de grande porte, como as enormes pás cavadeiras utilizadas para formar os barrancos”, explica um dos líderes, que cita garimpos autorizados nos limites da divisa, usados para “esquentar” o ouro extraído ilegalmente.
A ANM nega ter dado autorizações para exploração em áreas protegidas. A agência informou que qualquer interessado pode protocolar um requerimento, mas não há autorização quando há interferência com terras indígenas homologadas. Nos processos listados pela reportagem, a ANM afirmou que não foram afetadas áreas indígenas ou unidades de conservação, mas admite que os terrenos podem “estar próximos”, e “eventualmente há exceções pontuais quando a Funai altera o polígono da terra indígena”, realizando novas delimitações.
O InfoAmazônia, responsável pelo Amazônia Minada, afirma que todos requerimentos filtrados pelo projeto se sobrepõem, total ou parcialmente, “a terras indígenas e unidades de proteção integral, ou que tocam os seus limites”. O projeto, porém, não considera apenas as terras homologadas, mas todas que já foram delimitadas, de acordo com a base da Funai, e que estão em alguma etapa do processo de homologação.
Em apenas três casos, os processos levantados ocorrem em áreas “delimitadas”, e sete em áreas já “homologadas”. Uma sentença da Justiça Federal em janeiro, em uma ação do Ministério Público Federal do Pará, determinou que a ANM rejeitasse todos os requerimentos em áreas indígenas na região do Xingu, independentemente da fase de homologação da terra.
Mais requerimentos na gestão Bolsonaro
Além das autorizações apontadas pelo InfoAmazônia como ilegais, a busca por requerimentos para exploração mineral evidencia um aumento de volúpia dos garimpeiros e mineradores a partir da eleição de Jair Bolsonaro. Considerando todos os pedidos para exploração em qualquer área da Amazônia Legal, houve 9.737 requerimentos entre 2019 e 2021. O número é 13% maior que o volume dos três anos anteriores (2016 a 2018, com 8.637 requerimentos), e 70% maior que o do último triênio do governo Dilma (2013 a 2015, com 5.698 requerimentos).
Agência O Globo