A proposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso para atualização da Lei Antiterrorismo abre brecha para criminalizar os movimentos sociais.
De acordo com o projeto divulgado na última sexta-feira (25) como parte de um conjunto de medidas voltadas para a área da segurança pública, a definição de terrorismo passa a contemplar as “ações violentas com fins políticos ou ideológicos”.
Apesar de ressalvar que os atos passíveis de enquadramento como terrorismo devem ter sido cometidos com emprego de violência, especialistas em direito penal ouvidos pela Folha veem margem para avançar sobre os grupos organizados da sociedade civil.
Formulado em ano eleitoral, o pacote legislativo acena para a base política do presidente. Há, entre as sugestões do governo, uma proposta para aliviar punições a policiais.
Aprovada na administração da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a lei nº 13.260/2016 diz que terrorismo consiste na prática de atos motivados por “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
A iniciativa do Palácio do Planalto passa a prever “o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos”.
“O texto tira a conotação exclusiva do racismo, do xenofobismo atualmente em vigor e amplia para qualquer movimento político ou ideológico”, diz o criminalista e professor de direito penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini.
“Ainda que, ao incluir essa ressalva sobre a violência, ele não afete completamente o movimento social, é bom lembrar que o projeto vai para o Congresso Nacional e basta alguém tirar o ‘violento’ para que ocorra essa criminalização.”
Gustavo Badaró, advogado e professor de direito processual penal da USP, destaca o fato de o texto sugerido não esclarecer se as “ações violentas” são contra pessoas ou bens.
“O projeto não especifica qual o objeto da violência. Em se admitindo que possa ser violência contra coisa, o tipo será amplíssimo”, afirma. “É possível considerar que, mesmo atos de violência contra bens, se premeditados, e praticados para fins políticos, caracterizam terrorismo.”
Nas invasões de terras promovidas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por exemplo, há geralmente relatos sobre a derrubada de cercas ou porteiras.
O Ministério da Justiça afirma que a proposta não abarca “condutas individuais ou coletivas, de caráter pacífico, de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, religiosos, entre outros”.
Para Alexandre Conceição, integrante da coordenação nacional do MST, a proposta da administração Bolsonaro para a Lei Antiterrorismo mira os movimentos sociais.
“Propostas como essa aprofundam esse processo de criminalização dos movimentos. Elas nos preocupam, mas não nos acovarda”, disse Conceição.
O líder dos sem-terra elencou outras frentes de atuação do governo com esse alegado propósito. Lembrou, por exemplo, das recorrentes declarações do mandatário sobre a ampliação do porte de armas para proprietários rurais.
Em solenidade recente no Palácio do Planalto, o presidente abordou o tema.
“Vocês não têm visto em nosso governo ações do MST, que aterrorizava o campo. Além das armas que nós distribuímos para pessoas de bem, também a titularização tirou poder dos chefes do MST de manobrar pessoas humildes”, disse.
Durante a campanha de 2018, Bolsonaro chegou a classificar o MST de grupo terrorista. Ao assumir a Presidência, em 2019, paralisou os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para a reforma agrária, além da identificação e delimitação de territórios quilombolas.
“As ações do MST são legítimas”, diz o sem-terra, lembrando o texto constitucional que confere à União o poder de desapropriar terras rurais improdutivas para fins de reforma agrária.
Conceição destacou outros pontos do pacote legislativo que, a seu ver, compõe a estratégia de “perseguição” aos sem-terra e outros grupos da sociedade que fazem oposição ao atual governo.
Um deles é a proposta que abranda penas para policiais que cometem excesso. Bolsonaro é um defensor do chamado excludente de ilicitude.
FolhaPress