Lula terá que ‘reconstruir’ ministério da Ciência e reverter bloqueio de fundo que pode causar ‘apagão’, avaliam especialistas

Para evitar uma espécie de ‘apagão’ na ciência brasileira nos próximos anos, especialistas ouvidos lembram que é preciso enfrentar um cenário desfavorável.

Para a comunidade científica, novo governo pode dar um respiro para a área, uma das mais atingidas por corte de verbas no governo federal nos últimos anos; expectativa é de que Lula dê atenção para bolsas de pesquisa, que podem completar 10 anos sem reajuste no primeiro ano do seu terceiro mandato.

Tornar a atuação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) efetiva nos próximos quatro anos do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é um desafio que exigirá recursos, e parte deles estão bloqueados por determinação do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

Para evitar uma espécie de ‘apagão’ na ciência brasileira nos próximos anos, especialistas lembram que é preciso enfrentar um cenário desfavorável, como a proposta de Orçamento para 2023 enviada por Bolsonaro que prevê cerca de R$ 17 bilhões para as áreas – um valor próximo ao que era investido há 15 anos.

Para os especialistas, o ponto de atenção está nos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que sofreram um bloqueio até 2026 por conta de uma Medida Provisória (MP) assinada por Bolsonaro em agosto deste ano.

O FNDCT é principal mecanismo de financiamento da área, usado por universidades e instituições ligadas à ciência, além de empresas do setor privado que investem em inovação.

Neste ano, R$ 3,5 bilhões de um total de R$ 9 bilhões foram contingenciados pelo governo federal. Para 2023, a previsão orçamentária prevê um bloqueio de R$ 4,2 bilhões, o que representa 42% do fundo. Pela MP, o fundo só poderá ser usado em sua totalidade em 2027.

Nesse ritmo, a expectativa é de uma diminuição ainda maior nos investimentos em universidades públicas, responsáveis por mais de 90% da produção científica do Brasil. “Se essa questão não for resolvida, não vai ter ciência”, avalia Nader.

A equipe de transição do governo Lula trabalha para tentar reverter os efeitos da MP e se apoia em uma lei, aprovada pelo Congresso em 2021, que proibiu o contingenciamento do FNDCT.

Há também uma hipótese de que a MP, assinada por Bolsonaro, possa perder a validade (caduque) antes de ser votada por deputados e senadores – o prazo termina no início de fevereiro de 2023, na volta do recesso parlamentar.

Outro órgão ligado ao MCTI que sofreu com falta de dinheiro na gestão Bolsonaro foi o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) que chegou a interromper a produção de radiofármacos, usados para diagnóstico de câncer no Brasil.

Para Sérgio Rezende, o avanço da ciência e tecnologia também passa pela escolha dos nomes que vão comandar esses e outros órgãos que estão no guarda-chuva do ministério da Ciência e Tecnologia.

“O desafio é ter recursos para esses institutos e ter eles funcionando dentro da normalidade. Ou seja, eles terem dirigentes escolhidos pela comunidade com a participação do governo”, disse o ex-ministro, que citou ainda a necessidade de elaborar um plano de ação com metas para a ciência para os próximos anos.

“No passado, os recursos, ao invés de serem usados de maneira aleatória, foram usados dentro de uma estratégia. É preciso voltar a ter isso. Nós já não temos um plano há pelo menos 7 anos. Não só os recursos foram diminuindo, mas deixou de ter estratégia. Essa é uma área para o futuro, ela tem que ter um plano”.

Dentro da comunidade acadêmica, a expectativa é de que o novo governo dê uma atenção maior para a Capes e o CNPq, as duas agências federais de fomento à pesquisa ligadas aos ministérios da Educação e ao da Ciência e Tecnologia.

A partir delas, estudantes podem conseguir bolsas para se dedicar exclusivamente à pesquisa dentro das universidades nos estudos no mestrado e no doutorado, por exemplo.

Desde 2013, as bolsas de pesquisa não são reajustadas e já perderam quase dois terços do poder de compra, de acordo com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG).

O ponto é considerado crucial entre especialistas para incentivar os estudantes a se dedicar exclusivamente a projetos de pesquisa e, assim, incentivar o desenvolvimento da ciência dentro das universidades.

“Ciência necessita de recursos humanos. Não adianta você só ter investimento na ciência se você não tiver isso acoplado com a formação de recursos humanos”, afirmou a presidente da ABC, Helena Nader.

FONTE: Click PB