Condições como incontinências, dores nas relações sexuais, infertilidade e depressão podem surgir tardiamente e são negligenciadas.
Complicações que afetam a saúde das mulheres, como incontinência urinária ou fecal, dores nas relações sexuais, infertilidade secundária, ansiedade e depressão, podem surgir meses e até anos após o parto, atingindo até um terço delas e permanecendo sem diagnóstico ou tratamento adequados, conforme apontado por um estudo publicado no The Lancet.
Nas últimas décadas, foram realizados esforços para reduzir a mortalidade materna, com ações para prevenir e tratar precocemente quadros como hemorragias, problemas hipertensivos e sepse. No entanto, as complicações a médio e longo prazo, que costumam surgir tardiamente causando grande sofrimento físico e emocional, ficaram mais negligenciadas.
Devido a esse cenário, os autores realizaram um levantamento de estudos sobre problemas que costumam surgir após seis semanas do parto, período em que a mulher deixa de ser acompanhada de forma tão próxima. Eles constataram a falta de dados e de diretrizes sobre o assunto, especialmente em países pobres.
Dentre os resultados encontrados, destaca-se que 35% das mulheres enfrentam dores nas relações sexuais e 32% relatam dores nas costas. A incontinência fecal afeta 19%, mesma taxa das que lidam com infertilidade secundária (quando uma mulher que já teve filhos encontra dificuldades para gestar novamente). Já a incontinência urinária pode atingir 31%, e os índices de ansiedade e depressão podem chegar a 24% e 17%, respectivamente. Outros problemas que também surgem, embora menos frequentemente, e incluem prolapso de órgãos pélvicos, disfunções da tireoide, danos aos nervos e cardiomiopatia (inflamação no músculo cardíaco).
Essas condições podem afetar o dia a dia de qualquer mulher, independentemente da idade e do tipo de parto. Algumas podem ser causadas por traumas na hora do nascimento, outras decorrem das próprias mudanças do organismo em função da gestação, que afetam diversas estruturas, como os ligamentos do assoalho pélvico, entre outras.
Segundo especialistas, essas mães acabam sendo negligenciadas por vários motivos, sendo um deles a complexidade dessas condições de origem multifatorial. Nem sempre a correlação com a gestação é óbvia. O ginecologista e obstetra Mariano Tamura, do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que há falta de equipes de saúde suficientemente treinadas e, também, que as unidades de saúde acabam se concentrando na gravidez e no período de 42 dias após o parto.
Há, ainda, um outro fator apontado pelo ginecologista e obstetra Rubens Gonçalves Filho, do Hospital Israelita Albert Einstein: “as mulheres crescem ouvindo que algumas dores relacionadas ao parto ou pós-parto fazem parte da vida e, por isso, muitas vezes não se queixam”. “Também pode acontecer de, ao se queixarem, ouvirem das pessoas que é normal e deixar de procurar ajuda”, completa.
Daí a importância de reconhecer esses problemas e do cuidado durante a gestação para detectar e prevenir essas complicações, com uma orientação pré-natal rígida, explica Gonçalves Filho: “ainda assim, nem todas podem ser previstas, por isso uma boa assistência é fundamental.” Também é essencial, segundo o especialista, a estruturação do sistema de saúde e o treinamento dos profissionais para reconhecer os casos que requerem mais atenção e garantir o acesso das mulheres ao sistema.
Os autores da pesquisa destacam a necessidade de mais estudos e diretrizes para abordar essas condições, especialmente em países mais pobres. Para eles, é crucial adotar uma abordagem abrangente que não se concentre apenas nas causas imediatas, mas também considere as raízes sociais e econômicas, incluindo aspectos como nutrição e saneamento.
FONTE: Brasil 247