Os transtornos do espectro autista (TEA) são fruto de uma mistura de fatores genéticos, preponderantes, e gatilhos ambientais ainda pouco compreendida, numa ideia que é reforçada por observações de que, se um casal tem um filho ou filha com o problema, é maior a chance de uma segunda criança também o desenvolver. E embora também se observe que meninos são muito mais suscetíveis ao autismo do que meninas, numa proporção de quatro casos entre eles para cada um nelas, as razões por trás desta diferença são outro mistério.
Diante disso, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, EUA, decidiram calcular estes riscos cruzados, isto é, se o gênero do primogênito diagnosticado com autismo de alguma forma se traduz em uma maior ou menor chance de que seu irmão ou irmã também tenha algum transtorno do tipo. Para tanto, eles analisaram informações de mais de oito anos de pedidos de reembolsos feitos por clientes de uma grande empresa americana de seguro de saúde, verificando que esta chance é significativamente maior quando o filho mais velho autista é uma menina e o caçula, um menino.
— Nossos resultados nos dão um bom grau de confiança para medir o risco de recorrência do autismo nas famílias afetadas baseados no gênero da criança — resume Nathan Palmer, primeiro autor do estudo, publicado ontem no periódico científico “Jama Pediatrics”, e instrutor de informática biomédica da Escola de Medicina de Harvard. — É importante podermos dar a pais preocupados que têm um filho com a condição alguma ideia do que podem esperar de seu próximo filho. Esta informação é crítica dado como ficamos melhores em detectar a doença cada vez mais cedo na vida (da criança).
Quase 1,6 milhão de pares de irmãos
Ao todo, os pesquisadores identificaram quase 1,6 milhão de pares de irmãos nos dados da empresa, ou cerca de 3,2 milhões de crianças. Destas, aproximadamente 39,5 mil em 37,5 mil famílias foram diagnosticadas com TEA, numa incidência de 1,25%, em linha com as estimativas atuais. O mesmo se deu quando as crianças com autismo foram separadas por gênero, com uma razão de 4,10 meninos com o distúrbio para cada menina.
Mas para avaliar a influência do gênero do primogênito na chance de uma segunda criança também ter o problema, os cientistas se focaram em pouco mais de 21 mil famílias com dois filhos em que a criança mais velha foi diagnosticada com algum tipo de TEA. Os cálculos mostraram que os pares menina-menino são os que apresentam maior risco de recorrência do transtorno, com 16,7% do filho mais novo ser autista se sua irmã mais velha é. Em seguida vêm os pares menino-menino, com 12,9%, depois os menina-menina, com 7,6% e, por último, os menino-menino, com 4,2%. Os pesquisadores alertam, no entanto, que como este estudo também é observacional não é possível identificar qualquer tipo de causalidade para a ocorrência do distúrbio e que, apesar dos riscos, ele ainda é relativamente raro mesmo nas famílias com histórico da doença.
— Mesmo no grupo de maior risco, meninos com irmã mais velha autista, as chances são de cinco para uma de que a
Segundo Clay Brites, neuropediatra do Instituto Neurosaber, embora o estudo tenha em grande parte se limitado a confirmar noções prévias sobre o transtorno, como sua incidência e o fato de afetar mais meninos, ele serve como um alerta para psiquiatras, psicólogos, pediatras, professores e outros profissionais que lidam com crianças “investigarem ativamente” irmãos das diagnosticadas com autismo para saber se também têm algum problema.
— Toda vez que virmos um autista numa família, devemos verificar se algum de seus irmãos também tem algum sintoma — defende. — Não devemos ficar esperando os pais se queixarem, pois uma intervenção mais precoce traz uma maior possibilidade de mudarmos significativamente a evolução do problema. Quanto mais cedo, mais permeável o cérebro da criança é a essas intervenções contra atrasos no desenvolvimento, distúrbios de comportamento e outros problemas.
CARIRI EM AÇÃO
Com O Globo/Foto: Reprodução
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