Sem analisar o conteúdo das denúncias recebidas, a Câmara Legislativa jogou na lixeira 16 das 18 representações contra deputados distritais apresentadas entre 2015 e 2017. O índice de 89% é apontado por levantamento com base em dados da Presidência da Casa, obtidos pelo Observatório Social de Brasília, e da assessoria de imprensa do órgão. A Mesa Diretora arquivou os casos, parte deles com parecer favorável da Procuradoria Geral do órgão. Com isso, as denúncias não chegaram sequer ao Conselho de Ética, para ser avaliado se o parlamentar feriu ou não a ética e o decoro.
Onze parlamentares foram denunciados por cidadãos, ONGS, uma deputada federal e partidos políticos no período. Algumas representações envolviam vários parlamentares. Todas foram parar na lixeira. Celina Leão (PPS) e Liliane Roriz (PTB), com seis acusações de quebra de decoro parlamentar cada, e Júlio Cesar (PRB), com cinco, lideram o pódio dos que mais tiveram investigações ignoradas. Em 2017, houve seis denúncias contra parlamentares. Em 2016, nove. Em 2015, três.
Celina e Júlio são réus no Tribunal de Justiça, por causa da Operação Drácon, que investiga esquema de pedidos de propina em troca de definição de sobras de orçamento em 2015, no valor de R$ 30 milhões, para empresas fornecedoras do governo do Distrito Federal. Os outros três deputados réus no caso, Renato Andrade (PR), Cristiano Araújo (PSD) e Raimundo Ribeiro (PPS), também foram alvos de representações, todas arquivadas pela Mesa Diretora.
Filha do ex-governador Joaquim Roriz, Liliane virou alvo de representação por quebra de decoro após ter sido condenada por falsidade ideológica na Justiça.
Os três campeões de acusações – Celina, Liliane e Júlio – não quiseram conversar com a reportagem para comentar os casos. Júlio não prestou esclarecimento. As assessorias de Celina afirmaram apenas que esse o tema é de responsabilidade da Mesa. O presidente da Câmara, Joe Valle (PDT), também não concedeu entrevista mesmo sendo procurado desde quarta-feira (13).
O procurador da Casa, Arnaldo Siqueira, defendeu o arquivamento sumário de alguns casos. “A representação contra um deputado é uma coisa muito séria”, disse ele . “O processo de cassação, no momento em que ele é aberto, o deputado já começa a ser punido.”
Livre na Câmara, mas não na Justiça
A deputada Sandra Faraj foi a única a ter representações analisadas pelo Conselho de Ética da Casa. Foram duas. Ela foi parar no colegiado pela acusação de uso irregular de verba indenizatória. Em entrevista a Sandra disse que a Câmara usou “critérios diferentes” para ela e para os demais colegas, mas ressalta que o procedimento foi importante para comprovar sua inocência, ao menos do ponto de vista ético.
“Apesar de a gente nunca ficar feliz de passar por um processo desses, eu fico feliz de ter sido criteriosamente avaliada e investigada e ter sido absolvida”, diz a deputada.
Porém, no Judiciário, a deputada ainda enfrenta processos cíveis e criminais. Em outubro, o Tribunal de Justiça do DF ordenou o confisco de R$ 142 mil das contas de Sandra, logo depois que o Ministério Público a denunciou por improbidade administrativa por desvio de verba indenizatória. Em junho, ela foi denunciada criminalmente por estelionato, acusada de falsificar documentos para obter reembolsos na Câmara.
Uma investigação que resultou na Operação Heméra apura se a deputada participou de um esquema para cobrar um terço dos salários de servidores comissionados indicados por ela no Legislativo local. Sandra Faraj disse à reportagem que esses processos não terminaram ainda. “O Judiciário está fazendo o papel dele, né?”, disse. “A denúncia do Ministério Público, que não foi aceita até agora, está sendo avaliada, está numa esfera muito inicial ainda.”
Justa causa
Segundo a assessoria da Câmara Legislativa, as representações chegam à Mesa da Diretora, que as repassa à Procuradoria Geral para obter um parecer técnico. De acordo com o procurador, Arnaldo Siqueira, o caso volta à Mesa para análise das formalidades. Se essas questões formais não forem resolvidas, o caso é arquivado. Caso contrário, segue para análise de conteúdo (mérito, no jargão jurídico) pela Câmara, até serem julgadas pela Comissão de Ética e, depois, pelo plenário.
O procurador Arnaldo Siqueira explica que os pareceres avaliam aspectos formais se o cidadão exibiu seus documentos corretamente e se existe “justa causa” na acusação. “Justa causa é o mínimo de lastro probatório que dê causa a um processo”, esclareceu o servidor da Câmara Legislativa, escolhido pelos distritais para ocupar o cargo para um mandato de dois anos.
Só no caso da Operação Drácon, foram ao menos quatro representações contra os cinco distritais investigados pela polícia e pelo Ministério Público. Mas nenhuma foi sequer aceita pela Mesa. A primeira foi rejeitada logo no nascedouro – sem analisar o conteúdo das acusações –, apesar do parecer favorável da Procuradoria. As outras foram parar na lixeira exatamente porque era isso que havia acontecido com a primeira.
Análise política
De acordo com Siqueira, não é possível abrir todas as investigações sobre problemas éticos. O procurador disse que a Mesa faz uma “análise política” dos casos. “A Mesa faz uma análise política também. A representação contra um deputado é uma coisa muito séria. No momento em que o processo é aberto, o deputado já começa a ser punido. No mesmo dia, toda mídia divulga que abriu processo contra ele, já passa aquilo para a população, e a população já assimila como tendo feito a coisa. Não se pode abrir um processo porque alguém.”
O procurador disse que várias representações se repetem nos temas e personagens mencionados. Esse seria o motivo de arquivamento de certos casos, como os ligados à Operação Drácon.
O presidente da Câmara Legislativa, Joe Valle (PDT), e sua assessoria não prestaram esclarecimentos à reportagem. A Mesa de 2017 que arquivou as denúncias deste ano é formada por Vale e pelos distritais Wellington Luiz (PMDB), Robério Negreiros (PSDB), Lira (PHS), Sandra Faraj, Raimundo Ribeiro, Telma Rufino (Pros) e Cristiano Araújo, estes quatro últimos alvos de representações nos últimos dois anos.
Deputado denunciado ………………………… Denúncias arquivadas
Celina Leão (PPS)……………… 6
Liliane Roriz (PTB)……………. 6
Júlio César (PRB)……………… 5
Renato Andrade (PR)………… 4
Cristiano Araújo (PSD)……….. 4
Raimundo Ribeiro (PPS)…….. 4
Sandra Faraj (SD)……………… 3*
Telma Rufino (Pros)………….. 3
Juarezão (PSB)…………………. 2
Agaciel Maia (PR)……………… 1
Ricardo Vale (PT)……………… 1
Total de denúncias…………. 18**
*Duas denúncias contra Sandra Faraj foram arquivadas mas com análise do conteúdo, pelo Conselho de Ética. **Algumas representações foram feitas contra mais de um parlamentar, por isso a soma é 18. Fontes: Dados da Presidência da CLDF obtidos pelo Observatório Social de Brasília e dados da assessoria da Casa
CARIRI EM AÇÃO
Com Congresso em Foco/Foto: Reprodução
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