Cresce o número de ações na Justiça relacionadas a reajustes de mensalidades dos planos de saúde. O tema já corresponde a 28% das decisões, e os aumentos questionados são principalmente em função de mudança de faixa etária, de sinistralidade e envolvem contratos coletivos, de acordo com estudo feito pela núcleo de saúde preventiva da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Mas, afinal, compensa se apoiar na Justiça para revisar o contrato e até suspender o aumento? De acordo com advogados, não há um entendimento único: o cenário vai depender do tipo e valor do reajuste.
Para o advogado especializado em direito à saúde Rodrigo Araújo, do escritório Araújo Conforti e Jonhsson, quanto maior for a diferença do reajuste em relação ao definido pela Agência Nacional de Saúde (ANS), maior a probabilidade de que a ação tenha uma decisão favorável.
Na última análise qualitativa feita pela FMUSP de 4 mil decisões de segunda instância do TJ-SP contra planos de saúde, referentes a 2013 e 2014, 92,4% dos acórdãos foi dada razão ao usuário, sendo que em 88% dos casos o pleito foi integralmente acolhido e em outros 4,4% a pretensão foi acolhida em parte. Em apenas 7,4% dos julgados a decisão foi desfavorável ao cidadão.
Contudo, o período estar defasado, e é necessário considerar que houve decisões importantes relacionadas ao tema que mudam o entendimento dos tribunais sobre os processos e podem modificar esses números. Além de não incluírem ações na primeira instância, que podem ter sido vencidas pelas operadoras, sem que tenham sido levadas à segunda instância, essas ações não fazem o recorte de reajustes de preços: incluem qualquer tipo de pleite contra as operadoras.
Antes de entrar com uma ação, portanto, é necessário pesar bem o benefício de uma revisão do contrato com a dor de cabeça e custos que se pode ter com o processo.
Caso a decisão do juiz seja desfavorável ao usuário do plano de saúde, é necessário arcar com custas processuais, que variam conforme o Estado e dependem do valor da causa. “Para valores pequenos, esse valor pode significar o desembolso de 200 reais. Para causas maiores, pode chegar a 1 mil reais”, diz Araújo.
Alguns juízes ainda condenam o consumidor a pagar parte do gasto que a operadora de saúde teve com o seu advogado. Pode ser definido tanto um valor fixo como um valor equivalente de 10% a 20% do pleiteado na ação.
Afora o risco de perder a ação, há ainda o de não obter uma liminar, que suspenderia o reajuste logo após a entrada da ação na Justiça. Na maioria dos casos, é necessário aguardar o fim do processo judicial para obter o benefício, o que pode demorar anos.
Para que seja expedida uma liminar, o consumidor tem de demonstrar que o reajuste fere claramente seus direitos e que há urgência no processo. Ou seja, caso o reajuste seja aplicado, será difícil manter o pagamento do plano. “Para quem paga 500 reais de plano de saúde, um reajuste de 10% equivale a 50 reais. Será muito difícil convencer o juiz sobre a urgência do processo. Se esse valor sobe para 20% ou 30%, a chance aumenta”.
Veja o que esperar de um processo conforme o tipo de reajuste:
Reajuste por faixa etária
De acordo com Rodrigo Araújo, a suspensão de reajustes abusivos por mudança de faixa etária era praticamente uma causa ganha até 2013. Até que, em 2016, o STJ chegou a um entendimento em que as decisões futuras sobre o tema não seriam mais baseadas no Estatuto do Idoso, mas, sim, iriam considerar os reajustes concedidos pela ANS. “O entendimento aponta que, contudo, esse reajuste não pode ser manifestadamente abusivo, mas é um conceito bastante amplo”, explica.
Portanto, para suspender um reajuste por idade, é necessário provar que ele não segue as regras definidas pela ANS ou tenha um claro critério de abusividade.
“Falsos coletivos”
Com a diminuição da oferta de planos individuais no mercado, muitos indivíduos, famílias e pequenos grupos passaram a adquirir planos mediante um CNPJ ou por meio de adesão, os chamados “falsos coletivos”. Como o reajuste para esses tipos de planos é liberado, tem ocorrido o aumento abusivo, muito acima do reajuste anual autorizado pela ANS para os individuais, o que tem contribuído para o maior número de ações.
Contudo, dificilmente haverá argumento suficiente para garantir que haja uma decisão favorável sobre o tema, diz Araújo. Isso porque, segundo a ANS, ela protege os usuários de planos menores agrupando contratos. Em média, o reajuste de planos de saúde com até 29 vidas variou entre 17% e 20% nos últimos anos. O número não é tão distante do reajuste praticado em outros planos, de cerca de 13%.
Reajuste por sinistralidade
O reajuste por sinistralidade nada mais é do que uma prerrogativa que as operadoras de saúde têm de repassar parte dos custos da operação caso não tenham um lucro acima de 30% ou tenham prejuízo em determinado período.
Como o cálculo desse repasse é complexo, e muitas vezes difícil de ser entendido até por juízes, diz Araújo, a chance de ganhar uma ação que revise essa conta também é difícil de estimar. “Não há um teto que pode ser repassado ao consumidor, não há fiscalização e nem mesmo regulamentação que obrigue a padronização e divulgação desse cálculo. Novamente, o reajuste terá de ser grande para que seja analisado pelo juiz”.
Ações não param de crescer
Nos primeiros seis meses deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) julgou 16.055 ações contra planos de saúde, 9.978 decisões em primeira instância e 6.077 em segunda instância. O volume é o maior já registrado para o período desde 2011.
Analisando esse período, as ações sobre reajustes cresceram tanto em número absoluto, de 339 em 2011 para 1.743 em 2018, quanto proporcionalmente ao número total de ações julgadas, passando de 14,78% do total em 2011, para 28,68% do total em 2018.
A fonte do levantamento foi o portal e-SAJ (Sistema de Automação da Justiça) do TJSP, que permite consultas sobre a tramitação de processos. Foram acessadas informações tanto das decisões proferidas em 1ª instância (Consulta de Julgados de 1º Grau) quanto em 2ª instância (Consulta de Jurisprudência).
Rafael Robba, um dos autores do estudo e mestre em gestão e políticas de saúde, analisa que a judicialização do tema é fruto de um tema mal regulamentado. “O número crescente de processos judiciais é reflexo de uma política que não funcionou. Os planos de saúde coletivos não são regulamentados pela ANS, enquanto os reajustes por idade, apesar de a ANS ter fixado o teto de 59 anos para que os valores dos planos sejam reajustados, os reajustes são muito altos nessa idade”.
O que pode ser observado na pesquisa é que o judiciário costuma usar com frequência o Código de Defesa do Consumidor, em especial os artigos nos quais o acesso à informação deve ser clara e adequada e que eventuais cláusulas nocivas podem ser revisadas pelo judiciário.
CARIRI EM AÇÃO
Com Exame/Foto: Reprodução Internet
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