Militares já preparam saída do Rio e montam Plano de Segurança Turística

A intervenção federal na Segurança Pública do Rio deve ir até 31 de dezembro, mas os militares já planejam a transição. As propostas vão de readaptação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e alteração das rotinas policiais, até a construção de um Plano Integrado de Segurança Turística. Os generais responsáveis pela área destacam ainda que usaram o mínimo de recursos disponíveis – R$ 2,5 milhões. E só agora começarão a usar o R$ 1,2 bilhão da União.

Em Brasília, para apresentar um balanço dos primeiros cinco meses da missão definida pelo presidente Michel Temer, o general Walter Braga Netto (interventor) defendeu a suspensão da medida no fim do ano, mas em entrevista exclusiva ao Estado avisou que é preciso “dar continuidade ao trabalho” e “não deixar voltar” as antigas indicações políticas para cargos técnicos nas polícias.

“Os cargos têm de ser ocupados apenas por meritocracia, que é o que fazemos hoje”, afirmou. O general e o secretário de Segurança Pública do Rio, general Richard Nunes, estão concluindo agora um Plano de Transição da Intervenção Federal, que será entregue ao sucessor do atual governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB).

Turismo. Também está em preparação um Plano Integrado de Segurança Turística, juntamente com o setor hoteleiro e de eventos. O general Richard explicou que o enfoque não será só na capital, mas também na Região dos Lagos (Angra, Búzios e Cabo Frio). O intuito é reforçar a segurança nas áreas onde os turistas se concentram, como terminais e corredores de transportes, regiões hoteleiras e proximidades de locais onde ocorrem os eventos.

Também se buscará reformular o atendimento e capacitar os policiais que trabalham no Batalhão de Polícia Militar de Turismo e na Delegacia de Atendimento ao Turismo, além de usar parcerias com secretarias sociais. Nunes disse que, com o apoio da segurança, o turismo pode ser uma das alavancas de retomada econômica. O programa terá como lema “Juntos por um Rio mais positivo.”

Em maio, um manifesto liderado pelos empresários Roberto Medina, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) e Paulo Protásio cobrava de Temer atenção aos efeitos da violência no turismo estadual, sobretudo quanto à circulação de turistas. Foi quando o presidente solicitou que o grupo encarregado da elaboração do plano de segurança ouvisse o setor. O presidente da Embratur, Vinicius Lummertz, e o da Riotur, Marcelo Alves, prometeram à época dar o apoio necessário.

Reorganização. Cobrado em relação às questões de criminalidade, Braga Netto frisou que os primeiros meses da intervenção foram dedicados “à reorganização das polícias, devolução de moral à tropa e recomposição de estoques de armamentos e equipamentos”, mesmo sem o R$ 1,2 bilhão repassado pelo governo federal, que agora começará a ser usado.

Até o momento, segundo ele, foram investidos R$ 2,535 milhões, de recursos orçamentários das Forças Armadas, para desencadear os primeiros trabalhos. Estão incluídos aí gastos com a recuperação de 6 blindados, de 776 carros das polícias, além de aquisições de armamento, fornecimento de munição e insumos para funcionamento das secretarias do Gabinete de Intervenção Federal. Outros R$ 2,1 milhões das Forças serão empregados para contratação de serviços.

“Hoje o policial já tem outro ânimo para o trabalho e vemos resultados muito positivos disso”, disse o general Richard. “Nos primeiros meses, foi só motivação e gestão. Imagina agora que o dinheiro chegou.” Os generais contaram também que tiveram de “começar do zero”, uma vez que os policiais não tinham nem sequer coletes à prova de bala, munições, armamentos – e até fardamentos.

“Cada policial podia levar as fardas para serem feitas em alfaiates diferentes. Não tinha padronização. E muito provavelmente bandidos se aproveitavam dessa brecha (para fazer roupas similares)”, dizem os generais. Agora, 40 mil cabos e soldados terão fardamento padronizado e mais 18 mil coletes foram encomendados – ao custo de R$ 500 milhões.

Acerto. Se concretizada, a decisão de encerrar a intervenção federal no Rio no fim deste ano, como inicialmente previsto, será acertada, na avaliação de dois especialistas em segurança pública ouvidos pelo Estado. Eles criticam, porém, o anúncio de um plano específico para o setor turístico, que acabaria focando em regiões onde os índices de criminalidade hoje já são menores. “Não faz sentido prorrogar uma coisa que sequer deveria ter sido feita. Os problemas têm mais a ver com inteligência de investigação, falta de recursos”, diz o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório da Análise da Violência da Universidade do Estado (Uerj).

Para Robson Rodrigues, ex-coordenador das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), produzir um plano integrado ao setor hoteleiro remete a estratégias empregadas por outras intervenções militares pontuais no Rio, que resultaram em uma abordagem “um pouco elitista” do problema. “A situação é tão caótica que temos várias prioridades. Estamos perdendo vidas. Um plano para o problema das milícias na região metropolitana, um para a letalidade homicida, um para letalidade policial e um para a corrupção policial, aí tudo bem.”

Criminalidade. Outras ações que estão sendo desencadeadas pelas forças de intervenção para tentar melhorar os índices de criminalidade focam gestão, sobretudo das UPPs – que teriam gente demais em atividade burocrática, o que dificultaria o trabalho operacional –, carga de trabalho policial e efetivo nas ruas. Nessa linha, a UPP da Cidade de Deus foi desativada na sexta, para dar lugar a duas companhias da PM.

Desde maio, segundo o general Richard, mais de 1,5 mil policiais puderam ampliar o efetivo nas ruas com a introdução do regime adicional de serviço (RAS). Essa modalidade permite aos agentes trabalharem na corporação em dia de folga. O regime de trabalho no Estado, em média, é de 24 horas em serviço seguidas de 72 horas de descanso – o que pode mudar. Ele anunciou que, no próximo mês, vai iniciar uma experiência no Batalhão de Botafogo, zona sul, em parceria com uma empresa de assessoria internacional.

A ideia é analisar o impacto psicológico e a eficiência operacional, e isso poderá levar à mudança na escala de trabalho, com descanso passando de 72 horas para 24 horas. “Não se trata de aumentar carga (de trabalho), mas de empregá-la melhor”, justificou o general Richard, avisando, no entanto, que se trata de um experimento. “Não tomaremos medidas precipitadas.”

Os dois generais apontam que as comparações dos índices de criminalidade têm de ser feitas entre os meses da intervenção. Com isso, avaliam, há queda desde o início do ano. Conforme o general Braga Netto, por exemplo, os casos de homicídios dolosos e roubos de veículos chegaram a cair mais de 25%, quando se compara março, mês seguinte à chegada dos militares ao Rio, e junho deste ano. O roubo de cargas e de estabelecimentos comerciais caiu 17% no período.

Já o secretário de Segurança reconhece que houve aumento de 42% nos casos de homicídios, quando se observa “oposição à atividade policial”. Mas justificou que isso se deve ao início efetivo do enfrentamento, o que não ocorria. Richard ainda fez questão de afirmar que comparações com 2017 têm de ser avaliadas com muita cautela, “porque no primeiro trimestre do ano passado houve greve da Polícia Civil, que acarretou subnotificação”. “Esse tipo de comparação é leviana.”

Os especialistas em segurança, porém, criticam. Ignácio Cano, da Uerj, diz que não há dados para sustentar a afirmação de que a taxa de homicídios regredirá nos próximos meses. “Diante de números ruins, todos os governos dizem que irá melhorar.” Para Robson Rodrigues, a redução pode até ocorrer, “mas será difícil chegar aos patamares de 2015 e 2016”.

CARIRI EM AÇÃO

Com Estadão/Foto: Reprodução Internet

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