A campanha de Henrique Meirelles (MDB), ex-ministro da Fazenda e candidato derrotado à Presidência da República, fez disparos de mensagem em massa pelo WhatsApp para números de telefone de beneficiários do programa social Bolsa Família, do governo federal. Os envios foram feitos durante o primeiro turno das eleições. Os números de quem recebe o benefício são sigilosos e seu uso, divulgação ou cessão para outros fins que não os previstos pela legislação, são ilegais (leia mais abaixo).
A campanha de Meirelles contratou por R$ 2 milhões a empresa Deep Marketing para cuidar de parte da campanha na internet incluindo serviços como a construção e manutenção de um site, a gestão de redes sociais e o envio de mensagens via WhatsApp do candidato.
A Deep Marketing tem entre seus sócios o empresário Lindolfo Antônio Alves Neto, que também é dono da Yacows, empresa que presta o serviço de envio das mensagens via WhatsApp.
A Yacows é investigada pela Polícia Federal por participar de um esquema de envios de mensagens com conteúdo anti-PT financiado por empresários favoráveis ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo.
A campanha de Meirelles foi a segunda mais cara dentre todos os presidenciáveis: R$ 45 milhões do bolso do próprio candidato, conforme o que foi declarado à Justiça Eleitoral.
Procurada, a campanha de Henrique Meirelles afirmou que não contratou nem teve nenhuma relação comercial com a empresa Yacows e que não ordenou disparos de mensagens com base de dados comprada. Porém, não respondeu às perguntas do UOL sobre a natureza dos serviços prestados pela Deep Marketing (leia mais abaixo).
Os diretores responsáveis pelas empresas Deep Marketing e Yacows não responderam aos pedidos de pronunciamento feitos pela reportagem.
Responsável pelo programa Bolsa Família, o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) afirmou que não forneceu dados de beneficiários a campanhas eleitorais e desconhece casos de utilização indevida da base nacional do Cadastro Único.
Agência direcionou disparos a beneficiários do Bolsa Família
No dia no dia 5 de outubro, dois dias antes do primeiro turno, a Deep Marketing disparou uma mensagem sobre uma das propostas do candidato do MDB. O disparo aconteceu à 1h e foi direcionado a uma lista com 2 milhões de contatos.
O conteúdo da mensagem era direcionado a quem já era beneficiado pelo programa e começa com “Programa Bolsa Família ainda melhor. Pro-criança: receba um benefício extra para deixar seu filho numa creche particular” (leia mais abaixo para saber mais sobre a mensagem).
Fora da imagem, no corpo de mensagem, um pequeno texto afirma: “Olha que legal. Isso pode melhorar a sua vida!”
A lista de contatos para a qual mensagem foi enviada estava gravada com o nome “Base_Comprada_Bolsa Família_16”.
Entre os dias 18 de setembro e 5 de outubro, a Deep Marketing disparou pelo menos 24 mensagens diferentes em massa pelo WhatsApp com propaganda oficial da campanha de Meirelles.
Diversas dessas listas haviam sido batizadas com o termo “comprada”. De acordo com a legislação eleitoral, campanhas e candidatos não podem utilizar bases de dados de terceiros para divulgar conteúdo. O vazamento de bases de dados governamentais para uso eleitoral também é vedado.
Reportagem confirmou envio de mensagens para beneficiários do Bolsa Família
A reportagem ligou, de maneira aleatória, para dezenas de números constantes na lista de contatos gravada com o nome “Base_Comprada_Bolsa Família_16”, e confirmou com todas as pessoas que atenderam, em municípios que iam do interior do Paraná ao Amazonas, que os telefones pertencem a beneficiários do Bolsa Família, conforme indica o sistema de disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp.
Dentre os beneficiários contatados pela reportagem, uma parte não utiliza o WhatsApp e, assim, afirmam não terem recebido mensagens de campanha.
Outra parte, porém, confirma ter recebido mensagens de campanha pelo aplicativo, inclusive de outros candidatos. Todas negaram que se cadastraram junto a partidos políticos para receberem conteúdo de campanhas.
Nas eleições, as campanhas dos políticos apenas podem enviar mensagens para eleitores que se cadastraram junto à legenda para tanto.
Cadastro do Bolsa Família tem 13 milhões de famílias
O Bolsa Família é o principal programa de distribuição de renda do governo federal. Ele paga benefícios a famílias com renda mensal abaixo de R$ 89 por pessoa e àquelas que tenham gestantes, crianças ou adolescentes com renda familiar mensal abaixo de R$ 178.
O cadastro do programa é um dos mais amplos e detalhados da administração federal. Atualmente, o Bolsa Família atende a mais de 13 milhões de famílias em todo o Brasil.
As famílias cadastradas precisam informar dados como nome completo, data de nascimento, endereço e número de telefone.
Além dessas informações, também há dados sobre a configuração da residência da família beneficiária como número de moradores, entre outros.
Esses dados são coletados inicialmente por equipes das prefeituras municipais de todo o país e posteriormente repassadas ao MDS.
Uma parte do cadastro é pública e disponível a qualquer cidadão. Outra parte, que inclui os dados pessoais como endereço, telefone e documentos, é sigilosa e só pode ser divulgada se for utilizada na implementação ou monitoramento de políticas públicas ou para a realização de estudos ou pesquisas.
Pela Lei de Acesso à Informação, o agente público que permite ou divulga informação sigilosa é punido com suspensão, na esfera administrativa. O infrator pode responder também, na esfera judicial, a um processo por improbidade administrativa.
Casos revelados pelo UOL são investigados pela PF
Na semana passada, o UOL mostrou que o PT também usou o sistema de envio de mensagens em massa, porém sem ataques a rivais, e que a agência responsável pela campanha de Bolsonaro (PSL) teve registros de uso do sistema da Yacows apagados após a reportagem da Folha – a PF também investiga se a sigla usou nas ações alguma lista de contatos comprada, o que seria ilegal (leia mais abaixo).
O UOL mostrou também que a mesma Yacows fez disparos pelo WhatsApp para o governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), com o objetivo de atacar um de seus rivais durante o primeiro turno, Paulo Skaf (MDB) – de acordo com a legislação eleitoral, é proibido pagar por impulsionamento de conteúdo na internet contra rivais.
Um especialista em segurança virtual forneceu à reportagem, sob condição de sigilo sobre sua identidade, dados do sistema Bulk Services, de propriedade da Yacows, que envia mensagens em massa pelo WhatsApp.
Meirelles nega uso de disparos
Procurada, a campanha de Henrique Meirelles afirmou que não contratou nem teve nenhuma relação comercial com a empresa Yacows e que não ordenou disparos de mensagens com base de dados comprada. Porém, não respondeu às perguntas do UOL sobre a natureza dos serviços prestados pela Deep Marketing. Leia a nota abaixo:
“A campanha de Henrique Meirelles não contratou nem teve nenhuma relação comercial com a empresa Yacows, fato que pode ser atestado pela prestação de contas da campanha à Justiça Eleitoral.
A campanha de Henrique Meirelles não contratou disparos com ‘base comprada’. Usou apenas base orgânica e do próprio partido.
A campanha cumpriu estritamente todas as exigências legais e se pautou pelos mais rigorosos princípios éticos. Todas as ações foram analisadas e aprovadas por advogados.
Por último, convém registrar que a campanha de Henrique Meirelles não teve acesso aos documentos citados em sua mensagem.”
A reportagem tentou contato com os proprietários da Deep Marketing e da Yacows, mas não obteve sucesso.
Na terça-feira (30), a reportagem foi a um dos endereços da Yacows em São Paulo, mas não foi autorizada a entrar no escritório.
Na última quarta-feira (31), a empresária Flávia Alves (sócia da Yacows e irmã de Lindolfo Neto) disse que eles não iriam se manifestar por telefone respeitando orientação jurídica. A reportagem ligou para o telefone do advogado indicado por Flávia Alves, Marcelo Lazarinni, mas até a última atualização desta matéria, ele não retornou às ligações.
Ministério diz desconhecer vazamentos
Responsável pelo programa Bolsa Família, o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) afirmou que não forneceu dados de beneficiários a campanhas eleitorais e desconhece casos de utilização indevida da base nacional do Cadastro Único.
“O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) é responsável pelos dados do Cadastro Único na esfera federal e as secretarias estaduais e municipais de Assistência Social ou responsáveis pela área social respondem pelos dados em âmbito local.
Durante o preenchimento do cadastro, procedimento realizado na esfera municipal, são coletadas informações de identificação pessoal (nome, documentação, escolaridade, trabalho, deficiência, contatos), bem como da família (composição) e domicílio (endereço, características físicas do domicílio, despesas).
De acordo com o Decreto n° 6135/2007, os dados do Cadastro Único só podem ser utilizados para o desenvolvimento de políticas públicas, além de estudos e pesquisas. Responsáveis por políticas públicas e pesquisadores somente têm acesso a esses dados após assinar um termo de responsabilidade e de compromisso com o sigilo dos mesmos.
As informações dos inscritos no Cadastro Único têm caráter sigiloso, uma vez que são pessoais, protegidas pela Lei de Acesso à Informação (LAI). A disponibilização dessas informações é normatizada pela Portaria MDS n° 10/2012.
O MDS não forneceu dados de beneficiários a campanhas eleitorais e desconhece casos de utilização indevida da base nacional do Cadastro Único. Caso haja evidência de vazamento das informações, a pasta fará encaminhamento à Polícia Federal para apuração.”
Uol/Fotos: Reprodução