Um mês depois de os primeiros fardos de um material macio, porém pesado, começarem a chegar às praias do Nordeste, onde a quantidade encontrada já beira duas centenas, a Polícia Federal e o Ibama ainda não sabem a origem das “caixas misteriosas”, como aqueles enigmáticos volumes passaram a ser chamados por quem os encontrava.
Mas, ao menos, já se sabe do que eles feitos: são fardos de borracha, como comprovou a análise do material, que só esta semana foi concluída.
Bem antes disso, porém, muitos frequentadores das praias do Nordeste já haviam chegado a mesma conclusão – sem precisar de exame técnico algum. “Assim que vi, eu falei que era borracha”, disse Carlos Magela, morador do município de Aquiraz, no litoral do Ceará, baseado na sua experiência do tempo em que trabalhou numa fábrica de pneus da Pirelli, em São Paulo. “E deve ter vindo da Ásia, Malásia, quem sabe, porque os fardos são iguaizinhos aos que nós recebíamos como matéria-prima”, explicou.
A perícia, no entanto, era necessária não só para se ter certeza do material (e do eventual risco que ele pudesse trazer às pessoas nas praias), como, também, para saber qual o fim mais apropriado que deve ser dado aos fardos, que continuam chegando, ao ritmo de meia dúzia por dia, em média, às praias do Nordeste brasileiro.
Até agora, perto de 200 “caixas misteriosas”, cada uma com cerca de 100 quilos cada, já foram dar nas praias entre Sergipe e Piauí. Só um pescador de São Gonçalo do Amarante, no Ceará, encontrou 15 delas. E também os turistas entraram na onda dos caçadores das caixas misteriosas. “Achamos uma no domingo e voltamos lá ontem e achamos outra”, contou o casal Agnelo Lima e Erika Gregório, na praia de Pecém, também no Ceará.
Segundo o Ibama, os fardos vão continuar aparecendo nas praias do Nordeste não se sabe por quanto tempo. Tampouco de onde estão vindo. A hipótese mais provável é que eles estivessem dentro de um contêiner que caiu no mar (alguns fardos têm marcas de ferrugem, o que sugere isso) ou que o navio que o transportava tenha afundado, permitindo mais tarde, com a deterioração do metal, a liberação dos conteúdos dos contêineres. Outra hipótese é que os fardos tenham sido descartados propositalmente no mar, o que configuraria crime ambiental
Mas, seja lá o que tenha acontecido, o mais provável é que tenha ocorrido muito tempo atrás e longe do Brasil, porque não só não há registro de nenhum naufrágio desse porte na região nos últimos tempos, como, em alguns fardos, foi detectada a presença de um organismo marinho chamado Lepa sp., típico do alto-mar. “Esse material veio dar na nossa costa depois de ficar um bom tempo no mar”, diz o coordenador de Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas, Ricardo César.
Alagoas foi onde surgiram as primeiras “caixas”, no final do mês passado. De lá para cá, mais de 80 fardos desse tipo já foram encontrados nas praias do estado. E quase o mesmo aconteceu na Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará e Piauí.
Embora não ofereçam nenhum risco a quem os encontra, os fardos, por serem de borracha, são altamente inflamáveis, o que exigirá cuidados na hora de serem destruídos pelas prefeituras dos municípios onde foram dar nas praias. E os que continuarem no mar podem trazer danos ao meio ambiente marinho, porque, depois de um tempo, o material tende a se fragmentar e pode ser ingerido por peixes e outros seres do mar.
Por isso, a origem das “caixas misteriosas” continua sendo investigada pelo Ibama e pela Policia Federal. Caso seja comprovado que veio de algum navio, ou descartado no mar, a empresa proprietária será autuada e pagará multa que pode chegar a R$ 10 milhões.
Acidentes desse tipo com contêineres são bem mais comuns do que se imagina. Estima-se que, por ano, mais de 1 000 deles caiam acidentalmente nos mares do planeta, fora os que afundam junto com os navios que os transportam.
No ano passado, 46 contêineres caíram de uma só vez na baía de Santos, após despencarem do navio Log In Pantanal, durante uma noite de mar agitado. Destes, 28 não foram encontrados e seguem, periodicamente, liberando no mar as mercadorias que continham. Como, por exemplo, as bolinhas de árvores de Natal que recheavam um dos contêineres desaparecidos, e que, até hoje, surgem diariamente nas praias do Litoral Norte de São Paulo, como pode ser comprovado.
Uol