Consultor Jurídico destaca código de bem-estar animal da Paraíba como modelo para o Brasil

O consultor jurídico Vicente de Paula declarou que o Código de Bem-Estar Animal da Paraíba é modelo para o Brasil e deve ser implementado em todos os seus artigos. Ele defendeu em artigo no Conjur que o Código de Direito e Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba “deve ser copiado e seguido por outros estados da federação ou, quem sabe, inspirar um Código Federal geral nas mesmas bases conceituais e normativas, que replique, em todos os cantos do território nacional, a concepção dos animais como sujeitos de direitos fundamentais.”

Esse código foi instituído pela Lei Estadual nº 11.140, de 8 de junho de 2018, de autoria do deputado estadual Hervázio Bezerra (PSB). O código foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB).

O texto-base que resultou no código instituído foi redigido pelo professor Francisco José Garcia Figueiredo, da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O professor é presidente e fundador da Comissão de Direito Animal da OAB-PB.

Veja na íntegra o artigo do consultor jurídico Vicente de Paula sobre o Código de Bem-Estar Animal da Paraíba.

Código de bem-estar animal da Paraíba deve servir de modelo para o Brasil

1. O Código de Direito e Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba foi instituído pela Lei Estadual 11.140, de 8 de junho de 2018, com entrada em vigor no dia 7 de outubro de 2018, oriundo do Projeto de Lei 934, distribuído em 7 de junho de 2016, de autoria do Deputado Estadual Antonio Hervázio Bezerra Cavalcanti (PSB), aprovado por unanimidade, com veto parcial, apresentado pelo governador do estado, mantido também de forma unânime.

O texto-base do anteprojeto que deu origem à tramitação legislativa foi escrito pelo professor Francisco José Garcia Figueiredo, da Faculdade de Direito da UFPB e presidente/fundador da Comissão de Direito Animal da OAB-PB, reconhecido, nacionalmente, como uma das mais importantes autoridades em Direito Animal do Brasil.

Esse texto, antes mesmo de ser submetido à Assembleia Legislativa da Paraíba, foi objeto de amplo e democrático debate com a sociedade paraibana, em várias audiências públicas, inclusive em sessões especiais da própria Assembleia Legislativa, com a participação de várias pessoas e entidades, dos setores público e privado, inclusive do Conselho Regional de Medicina Veterinária da Paraíba.

Talvez a prova mais contundente do processo democrático de formulação do respectivo projeto de lei esteja representada pelo fato de que as objeções ao texto, colhidas durante as audiências públicas, acabaram não sendo incorporadas ao Projeto de Lei 934/2016, tais como a proibição do tráfego estadual de veículos com tração animal e a proibição da vaquejada.

2. Trata-se, sem sombra de dúvidas, da legislação mais avançada do Brasil e sem igual no mundo em termos de direitos animais.

Exatamente isso: é a primeira lei brasileira a catalogar, expressamente, direitos fundamentais aos animais não-humanos.

Segundo o artigo 5° do Código paraibano, todo animal tem o direito: I – de ter as suas existências física e psíquica respeitadas; II – de receber tratamento digno e essencial à sadia qualidade de vida; III – a um abrigo capaz de protegê-lo da chuva, do frio, do vento e do sol, com espaço suficiente para se deitar e se virar; IV – de receber cuidados veterinários em caso de doença, ferimento ou danos psíquicos experimentados; V – a um limite razoável de tempo e intensidade de trabalho, a uma alimentação adequada e a um repouso reparador.

Esse catálogo mínimo de direitos fundamentais não é reservado apenas para cães e gatos, nem mesmo apenas para animais vertebrados, mas inclui os invertebrados, como polvos e caranguejos, muito além do que, originalmente, o Decreto 24.645, de 10 de julho de 1934, editado por Getúlio Vargas, o primeiro estatuto brasileiro dos animais, poderia conceber.

3. É possível uma lei estadual reconhecer direitos a animais não-humanos?

Sim, porque a Constituição Federal de 1988 permite e a isso conduz.

Ao disciplinar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição introduziu a regra da proibição das práticas cruéis contra animais, paralelamente à regra da proibição das práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna (artigo 225, §1º, VII).

Com isso, a Constituição protege os animais em duas frentes: pelo Direito Animal, no qual os animais são considerados seres conscientes e dotados de dignidade própria, razão pela qual interessam como sujeitos-indivíduos e a sua proteção se faz independentemente da sua relevância ecológica; e pelo Direito Ambiental, no qual os animais são considerados como espécie, enquanto elementos da biodiversidade, imprescindíveis ao equilíbrio ecológico e à sadia qualidade de vida.

Além disso, é a Constituição Federal que reparte a competência legislativa para tratar dos animais entre União e Estados (artigo 24, VI), limitando a competência da União para editar normas gerais.

Isso tudo significa que o Código de Direito e Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba realiza a Constituição brasileira melhor do que o Código Civil de 2002, o qual, atrasado nesse e em outros aspectos, ainda enxerga os animais não-humanos, cartesianamente, como bens semoventes.

4. Os animais, segundo o artigo 2º da Lei paraibana, são “seres sencientes e nascem iguais perante a vida, devendo ser alvos de políticas públicas governamentais garantidoras de suas existências dignas, a fim de que o meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida dos seres vivos, mantenha-se ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.”

Consagra-se, assim, uma nova dimensão dos direitos fundamentais: o direito fundamental animal à existência digna.

Mas não apenas conceitualmente o Código da Paraíba é modelar.

Trata-se de verdadeira codificação das principais regras e princípios de Direito Animal, enfrentando, com coragem e inovação, dentro do que lhe reserva a Constituição Federal, os principais desafios da proteção animal, coibindo o abuso e a crueldade, sem comprometer o desenvolvimento econômico e social do Estado da Paraíba.

São 119 artigos, divididos em três Títulos.

O Título I constitui uma verdadeira Parte Geral do Direito Animal, com seus conceitos fundamentais, o elenco dos direitos fundamentais animais, além das bases para uma Política Estadual de Política Animal.

A parte geral inclui um extenso rol de tipificações de maus-tratos a animais (artigo 7º, §§ 2º e 3º), além de uma série de condutas proibidas (artigo 8º).

O Título II pode ser considerado uma Parte Especial: trata das peculiaridades dos animais silvestres, dos animais domésticos e dos animais de produção, animais em entretenimento, em veículos de tração/montaria, em transporte, no comércio e em experimentos científicos.

Nessa parte especial, dentre outras medidas de destaque, proíbe: qualquer modalidade de caça (artigo 21), a cirurgia de cordotomia em cães e gatos (artigo 50), a utilização de cães para fins de vigilância, segurança, guarda patrimonial e pessoal nas propriedades públicas e privadas (artigo 51), a permanência, utilização e/ou exibição de animais de qualquer espécie em circos, espetáculos e eventos (artigo 63).

A par de proibições, estabelece o regime de tutela responsável de animais domésticos (artigo 22 e seguintes), restringe, com cautela justificável, a prática da eutanásia aos animais portadores de enfermidade de caráter zoonótico ou infectocontagioso incurável e que coloque em risco a saúde e a segurança de pessoas e/ou de outros animais (artigo 25, I), bem como institui a cláusula de escusa de consciência à experimentação com animais (artigo 93).

O Título III contempla, além de disposições finais, o Direito Animal sancionador, não-criminal, prevendo as infrações administrativas e as respectivas sanções pela violação, inclusive por pessoas jurídicas, públicas e privadas, das regras do Código.

5. O Código de Direito Animal da Paraíba é um Código para o Brasil.

É um modelo que realiza a vontade constitucional brasileira e coloca o Brasil na vanguarda das legislações mundiais de proteção animal. Deve ser implementado em todos os seus artigos. Deve ser copiado e seguido por outros estados da Federação ou, quem sabe, inspirar um Código federal geral nas mesmas bases conceituais e normativas, que replique, em todos os cantos do território nacional, a concepção dos animais como sujeitos de direitos fundamentais.