Na entrevista exclusiva que concedeu à Folha de S.Paulo e ao El País nesta sexta (26), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou de sua rotina da prisão e disse que passa o tempo todo sozinho.
Há um ano em uma sala da Polícia Federal em Curitiba, ele assiste a filmes e faz cursos entregues a eles em um pendrive.
“Eu curto a solidão tentando aprender, mentalizar a minha espiritualidade, tentando gostar mais do ser humano, tentar ficar um pouco mais humano. Eu acho que eu vou sair daqui melhor do que eu entrei”, afirmou.
“Quando sair daqui, sairei doutor”, disse.
Como é a rotina na prisão? O sr. passa muito tempo sozinho?
Eu passo o tempo inteiro sozinho. Eu leio, eu vejo pendrive que o pessoal me manda, assisto a filmes, muitos filmes. Muita série, muito discurso, muita aula. Eu por exemplo fiz, na minha cela… Que eu não trato de cela, eu trato de sala porque é melhor. Eu fiz um curso sobre Canudos no canal Paz e Bem [na internet], recuperando a história e mostrando as mentiras que Euclides da Cunha contou sobre Canudos [no livro “Os Sertões”].Ou seja, a história não é aquela. Então eu fiz um curso de oito aulas. Agora eu sugeri a eles que façam um curso, Retratos do Brasil. Sobre todas as lutas sociais no Brasil. E agora acho que toda segunda-feira tem uma aula [no canal].Eu espero juntar umas quatro ou cinco, recebo um pendrive, vou assistindo e vou me aprimorando. Quando sair daqui, sairei doutor.
Mas o sr. lava a sua própria roupa, lava suas coisas? E a prisão mudou o sr. em alguma coisa?
É engraçado porque eu sempre tive vontade de morar sozinho. Quando eu fiquei viúvo a primeira vez, em 1971, eu fiquei bravo com a minha mãe [dona Lindu] porque meu sonho era alugar uma quitinete e morar sozinho. A minha mãe morava com a minha irmã, a minha mãe abandonou a minha irmã, foi na minha casa e exigiu que eu alugasse uma casa para morar comigo. E eu morei com a minha mãe durante três anos e meio. Sabe aquele sonho de jogar a cueca para qualquer lado a meia para qualquer lado, a camiseta, não ter que prestar contas, não ter ninguém atrás de mim, “recolhe, põe no chuveiro”?Hoje, eu faço isso. Mas eu preencho o meu tempo vendo muita coisa.
O sr. lava suas roupas?
Não. Eu mando para o meu pessoal lavar. Mas eu curto a solidão tentando aprender, mentalizar a minha espiritualidade, tentando gostar mais do ser humano, tentar ficar um pouco mais humano. Eu acho que eu vou sair daqui melhor do que eu entrei. Com menos raiva das pessoas. Eu vou sair um cidadão bom daqui. Bom e motivado para brigar. Estou doido para fazer uma caravana.
Um grupo perto da prisão diz “boa noite” e “boa tarde todos os dias para o senhor.
Eu escuto todo santo dia. Quando tem atividade, eu escuto discurso das 9h às 21h. É música, é canto. Eu sinceramente não sei como um dia eu vou poder agradecer a essa gente. Tem gente que está aqui [numa vigília em frente à PF] desde o dia em que eu cheguei aqui. Vai para casa, lava a roupa e volta para cá. Eu serei eternamente grato, não sei se isso já aconteceu alguma vez na história com alguém. Mas eu sinceramente não sei como fazer para agradecer. Eu já disse para todo o mundo aqui. Mas quando eu sair daqui, quero sair daqui a pé e quero ir lá no meio deles. A primeira cachaça eu quero tomar com eles. E brindar.